Caracterizada pela sua inclinação e forma circular, a estrutura tem 160 metros de diâmetro e uma altura que supera os 30 (e desce outros 12 no solo), estando rodeada por uma praça ao ar livre e um lago envolvidos pela brisa que chega do Mediterrâneo, ao mesmo tempo que é atravessada por uma ponte pedonal que liga a cidade à Universidade de Alexandria.
O tecto, inclinado, remete o viajante para o antigo farol (guiava os navios e era o símbolo de ostentação da grandeza da cidade); para muitos é um disco, como um segundo sol que todos dias sobe das águas do Mediterrâneo, para outros a janela do mundo para o Egipto e, ao mesmo tempo, a janela do Egipto para o mundo. A importância histórica da antiga biblioteca e berço do conhecimento é perfeitamente evocada no formato curvo das suas paredes exteriores erguidas com granito proveniente das pedreiras de Assuão (como faziam os faraós para construírem os seus templos) e esculpidas com letras gigantescas, pictogramas, hieróglifos e símbolos de todos os alfabetos conhecidos (um trabalho que teve a colaboração de artistas como Jorunn Sannes e Kristian Blystad, tendo o cuidado de recorrer a métodos antigos de corte na pedra para criar a fachada).
O interior do projecto cujos custos totais terão chegado aos 200 milhões de euros não é menos impressionante: um espaço aberto que se estende por 20.000 m2 (ocupa mais de metade da área total da biblioteca) e com capacidade para dois mil leitores (não há outro, do género, no mundo), que se dividem ao longo de sete bancadas, um vasto território por onde entra a luz mas concebido de forma a que não esteja exposto directamente ao sol, tão prejudicial para livros e manuscritos.
Quando viro as costas à biblioteca, chega-me o cheiro do mar, o sussuro das ondas que se quebram sobre o passeio marítimo, como um estímulo para, partindo deste lugar onde cabe tanta sabedoria, enriquecer o meu conhecimento sobre os lugares por onde passaram, em diferentes fases, escritores como EM Foster (chegou a Alexandria há precisamente 100 anos), Konstandinos Kavafis e Lawrence Durrell. Chego a Sharia Fuad, sempre com as imagens da biblioteca presentes, e sento-me num café. Os aromas a narguilé enchem a atmosfera. Aqui bem perto vivia Nessim, o negociante copta tão presente no Quarteto de Alexandria (D. Quixote) de Durrell.
“Recordo-me de ter ouvido a Nessim certo dia — creio que o tinha lido em qualquer lugar — que Alexandria era o grande lagar do amor; os que escapavam eram os doentes, os solitários, os profetas, enfim, todos aqueles que tinham o sexo mutilado.”
Alexandria, o lagar do amor e o lugar do conhecimento. Como dizia Agostinho Silva, “leia.” “Como preparado há muito, como corajoso despede-te dela, da Alexandria que se vai embora.”
Leio Kavafis já em viagem para a pátria de Joyce, de Beckett, de Kavanagh, de W. B. Yeats, a capital irlandesa com um património literário que dificilmente encontra paralelo no mundo.
Dublin, Irlanda
A Clare Street está a meia dúzia de passos dos agradáveis parques verdejantes do Trinity College. Nesta rua, com os seus prédios de tijolo, caminhava um dia, em 1904, uma jovem que fazia limpezas no Finn’s Hotel. Pela mesma artéria, mas em sentido contrário, errava um homem que a olhou e logo caiu de amores. Abordou-a e marcaram um encontro para uns dias mais tarde. Ela optou por não comparecer e ele, cego na sua paixão, não se resignou e, na primeira oportunidade, convidou-a de novo, agora com sucesso.