Fugas - Viagens

  • Nelson Garrido
  • Daniel Rocha
  • Daniel Rocha
  • Daniel Rocha
  • Nuno Ferreira Santos
  • Nuno Ferreira Santos

Continuação: página 5 de 9

Silêncio, vamos entrar no templo dos livros

Retiro-me em silêncio, de volta às ruas da cidade literária, cuja herança está visível num pub, numa rua que ladeia um canal, um pouco por todo o lado.

“Trago o livro já fechado,
A leitura suspendi,
E miro o fogo, a bailar,

Nas tábuas do meu sobrado.”
James Joyce, Música de Câmara

Real Gabinete Português de Leitura, Rio de Janeiro, Brasil

O primeiro impacto é provocado pela bonita fachada do edifício, em estilo manuelino, que se projecta contra um céu por onde se passeia um rebanho de nuvens, como pedaços de algodão. 

Situado actualmente no número 30 da Rua Luís de Camões, a curta distância da Praça Tiradentes e do Largo de São Francisco, o Real Gabinete Português de Leitura já existia antes de ser erguido este prédio, no centro do Rio de Janeiro, Brasil. Na verdade, a sua fundação remonta a 1837 (celebra 180 anos em 2017) e teve como alicerces um grupo de 43 imigrantes portugueses, na sua maioria comerciantes mas também alguns refugiados políticos que haviam escapado ao absolutismo reinante em Portugal na época.

Não era, nesses primeiros anos do século XIX, muito numerosa a comunidade portuguesa naquela cidade brasileira mas, ainda assim, sentia uma necessidade premente de criar uma associação que, de certa forma, lhes permitisse “isolarem-se na doce recordação das coisas da pátria e na ilustração do espírito, pela leitura sã dos bons autores e dos periódicos da época.”

Para a materialização deste desejo, tão impregnado nas suas almas, muito contribuíram figuras como Rocha Cabral, definido como o verdadeiro mentor espiritual do centro associativo, e Alves Viana, a quem coube a redacção dos primeiros estatutos do Real Gabinete Português de Leitura. De forma gradual, o projecto começou a ganhar corpo, através da organização de catálogos para posterior aquisição de livros e obtendo, ao mesmo tempo, manuscritos raros e obras de autores portugueses que foram enchendo as estantes.

Em 1860, a associação contava já com mais de trinta mil volumes, um número que ultrapassou os cinquenta mil na década de 1880 — ano em que passou a ser vista como uma das mais importantes bibliotecas do Brasil (um estatuto apenas superado pela Biblioteca Pública do Rio de Janeiro). Contando já com uma vasta colecção, também por essa altura já havia mudado duas vezes de localização, começando por transferir-se daquela que foi a sua primeira sede, na Rua de São Pedro, para a Rua da Quitanda e, posteriormente, para a Rua dos Beneditinos.

Sempre pelos mesmos motivos — a falta de espaço —, nenhum deles satisfez as necessidades da associação que, em 1871, adquiriu um imóvel onde em tempos funcionou o Hotel São Pedro, na Rua da Lampadosa (nos dias de hoje Luís de Camões), com o intuito de confirmar as palavras do relator do parecer de contas no ano seguinte.

“O Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro, terá um edifício digno de acolher os seus livros, os tantos milhares de bons amigos que aqui nos rodeiam neste acanhado tabernáculo, em cujos altares não cabe nem mais um ídolo. Erija-se pois o tempo, ou, mais parecidamente, construa-se o arsenal das armas da inteligência, onde o espírito venha revestir-se de aptidão e força para as grandes conquistas do progresso.”

--%>