Fugas - Viagens

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O Natal cheira a amêndoas torradas e vinho quente

O tempo é curto e entramos apenas para ver a maior barrica do mundo: tem capacidade para quase 220 mil litros e era aqui que se depositava o imposto que os produtores pagavam, 10% do que produziam. Ou seja, aqui entrava vinho tinto, branco, “até avinagrado porque a batota era comum”: o resultado não tinha mais de 5% de álcool e era “repugnante”. Melhor, porém, do que a água, insalubre, e “deixava as pessoas felizes”. E em ocasiões especiais acrescentava-se-lhe mel, pétalas de rosa, especiarias — “foi o antepassado do Glühwein”. Ainda temos tempo para ir ao terraço diante da parte intacta do castelo — a guia assegura que é a melhor vista da cidade. Preferimos olhar para a fachada intacta e para a restante arruinada, “destruída pelos franceses”, não se cansa de sublinhar a guia: sentimo-nos num palco — de uma ópera alemã.

Michelstadt im Odenwald

Saindo de Heidelberg, tomamos a estrada mais cénica: durante um tempo junto ao rio, depois por vales e florestas. Circulamos entre os estados federais de Baden-Württemberg (“o segundo maior e talvez o mais rico do país”, segundo o guia), onde se situa Heidelberg, e Hesse, de onde não saíremos até ao regresso. Passamos antigas fortalezas (esta é conhecido como a estrada dos castelos), abadias, mosteiros, aldeias, aquedutos de tijolo vermelho no meio do nada, aqui e ali chaminés de fábricas até ao próximo destino, Michelstadt im Odenwald, no sul de Hesse. Quando entramos no coração de Michelstadt, medieval-medieval, parece que entramos em território de conto de fadas. Que mais tarde se transformará num conto de Natal. Mas, já o referimos, a noite é a melhor altura para esta transformação e nós chegamos com o dia ainda em pleno (e cinzento como todos os que apanhamos nesta viagem).

E este não é um patinho feio durante o dia. Esta pequena cidade (16 mil habitantes) no coração de Odenwald é um íman para turistas: pela planta e arquitectura medieval, embora alguns edifícios, diz-nos o guia, tenham sido reconstruídos. “É o epítome do Romantismo alemão.” Na altura do Natal, as multidões são anda maiores — este não é dos maiores mercados de Natal da Alemanha, mas um dos mais populares, afinal, está tudo concentrado no centro histórico, o que faz com que caminhemos por ruas, praças, becos, pátios que fazem dele uma aldeia de Natal. Com uma característica muito local: as figuras de madeira em tamanho gigante — desde os famosos nut crackers, os soldados omnipresentes em qualquer mercado nas bancas de brinquedos ou decorações, a “coros” ou os reis magos — feitas pelos estudantes de uma escola de marcenaria.

É na praça do mercado que tudo começa — diante da antiga Rathaus (câmara municipal) que é um dos ex-líbris da cidade, do país, com a sua arquitectura em enxaimel. Aliás, toda a praça, que se desenvolve em torno de uma fonte coroada pelo arcanjo São Miguel, mantém este estilo arquitectónico, excepto no seu edifício maior, um palácio do século XVIII, rosa claro. A árvore de Natal ergue-se entre este e a Rathaus, de 1484, e, então, entremos nela. O rés-do-chão é aberto, chão de pedra, grossas traves de madeira a suportar os andares superiores, porque aqui se realizavam os julgamentos durante a Idade Média — eram sempre em locais públicos e o conde, que era o juiz, evitava assim os caprichos climatéricos. No primeiro andar, naquela que era a maior sala da cidade, realizavam-se as reuniões importantes e festividades e bailes; posteriormente, aqui funcionou uma igreja, escola, hospital. “Foi o primeiro edifício multifuncional da cidade”, brinca o guia — hoje ainda é um pouco assim, desde casamentos (vêm casais de todo o país) a exposições e concertos, este continua a ser um edifício vivo. Nos dois andares superiores, encaixados no telhado incrivelmente inclinado, armazenavam-se os impostos da cidade, pagos em géneros — 10% de tudo o que se produzia. Havia ainda um imposto que lembra uma recente polémica em Portugal: os habitantes de Michelstadt tinham de pagar um imposto da “luz do dia”. Quanto maiores fossem as janelas das casas, mais imposto tinha de ser pago, uma vez que mais mais luz natural tinham, por isso (e também porque o vidro na Idade Média era um luxo) as janelas das casas medievais eram tão pequenas.

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