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Sámi, cem anos de reconciliação

Por Sousa Ribeiro

Estão divididos por quatro países, num total de 70 mil, mas foi em Trondheim, em 1917, que os sámi, esse povo indígena que é um símbolo de resistência, se reuniu pela primeira vez para um congresso histórico. Pretexto para uma viagem que parte de Trondheim, sobe até Alta e vai até Karasjok.

Em comum têm, desde logo, o facto de terem nascido todas mulheres.

Lisa Barrock, Brita Brantfjeld, Sofie Mathiasen, Malla Vesterfjeld, Kristine Stinnerbom, Elsa Laula Renberg, Ellen Lie, Ellen Olsen, Gunhild Granefjeld, Anna Andersen e Maria Perdersen.

São 11 mas não representam uma equipa de futebol feminino de um qualquer país escandinavo.

Em comum têm, também, o curioso detalhe de todas elas terem feito parte do Comité de Organização do primeiro congresso do povo sámi que teve lugar há precisamente cem anos, entre 6 e 8 de Fevereiro de 1917, em Trondheim, a cidade que será sempre um ponto de referência para esta minoria e que desempenhou um papel relevante na definição das relações inter-étnicas entre os noruegueses e os nativos.

Trondheim está situada não muito longe dos territórios habitados tradicionalmente pelos sámi mas a explicação também pode residir no facto de o Nidelva, rio que cruza a cidade, ter a sua nascente no lago Selbusjøen, a sul das montanhas com as quais os aborígenes estão tão familiarizados. A religião teve, igualmente, um certo peso nesta aparente  empatia entre indígenas e Trondheim.

Em termos oficiais, a Noruega tornou-se um reino católico há quase mil anos, em 1030, coincidindo com a circunstância de, por essa mesma altura, Trondheim se ter transformado na capital do país, um estatuto que manteve durante quase 200 anos, até 1217, há precisamente 800 anos, quando obedecia à toponímia de Nidaros, numa clara referência à sua localização, na foz do curso de água a que também chamam Nid. E Nidaros, sendo capital, passou a ser igualmente diocese, abraçando uma parte significativa do extenso território dos sámi, designado por Sápmi, e de acordo com um plano que nada mais defendia do que os seus interesses expansionistas.

Perante este quadro ambicioso, em muitas áreas, mas mais ao longo da costa, o contacto a nível cultural entre os sámi e os cristãos era já uma realidade em pleno século XI e, durante a Idade Média, há evidências de uma proximidade gradual daquela minoria étnica às crenças cristãs, ainda que sujeitas a uma interpretação personalizada.

 

Impostos para todos

Para melhor se perceber este fenómeno é necessário recuar até ao século XVI, quando, pelo menos de um ponto de vista geográfico, ainda não se podia falar de fronteiras na comunidade sámi. Com efeito, esse século determina, na prática, o início de uma intervenção que visa acelerar a colonização de um povo impotente para se libertar do jugo imposto, em simultâneo, por três países (quando a Noruega e a Dinamarca eram um só, mais a Rússia e a Suécia) que não tiveram dificuldade em perceber a riqueza do Norte distante ao nível das pescas e o potencial mineiro no interior, obrigando os sámi a pagar, ao longo de todo esse século XVI e ao abrigo da reivindicação de soberania, impostos a todos eles (ou pelo menos a dois).

De forma consciente ou não, a igreja serviu, nessa altura, de instrumento à expansão dos estados — cada igreja construída, com maior ou menor dimensão, na área tradicionalmente ocupada pelos sámi, constituía mais uma etapa nesse processo de aculturação e de colonização, de integração forçada no sistema eclesiástico nacional e materializada através do baptismo e da participação nas celebrações religiosas,   aumentando a população nacional em detrimento do povo sámi.

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