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Sámi, cem anos de reconciliação

Outras doutrinas, baseadas em pensamentos do Antigo Testamento, também contribuíram para fomentar os receios dos sámi, a verem a relação entre as suas terras e Deus de uma outra forma, na convicção de que só delas poderiam tirar partido no caso de trilharem os caminhos da fé. Muitos outros episódios se seguiram, xamãs sámi foram condenados à morte, instrumentos sagrados desapareceram e locais de sacrifício destruídos, até que em meados do século XVIII já nada mais restava, pelo menos em público, das práticas religiosas dos indígenas.

 

Uma mulher dinâmica

As primeiras décadas do século passado correspondem, efectivamente, ao momento em que a população sámi, contabilizando nos dias de hoje quase 70 mil almas (mais de metade, 40 mil, vivem em território norueguês, cerca de vinte mil na Suécia, seis mil na Finlândia e os restantes na Rússia), se começou a organizar.

Entre as 11 mulheres que a história dos sámi se encarregará de perpetuar, uma, Elsa Laula Renberg, assumiu um papel de destaque, figurando como a grande pioneira de um evento que este ano será celebrado em Trondheim com uma série de manifestações culturais que prometem atrair muitos olhares. Elsa Laula Renberg, política e activista que nasceu na Suécia e morreu (de tuberculose) na Noruega, escreveu e publicou, ainda em 1904, um panfleto contendo trinta páginas (Enfrentamos a vida ou a morte? A verdade sobre a situação lapã) em que colocava em causa o sistema educativo, o direito ao voto e de propriedade das terras na perspectiva, pouco animadora por esses tempos, dos sámi.

Desdobrando-se em contactos, Elsa Laula Renberg dedicou uma grande parte da sua existência a encorajar as mulheres sámi a trabalhar e a apoiar a causa comum, despertando a consciência, até aí adormecida, de um povo subjugado ao longo de séculos. Sem ela, sem a sua motivação e constantes viagens, pelo Norte e pelo Sul, na Noruega e na Suécia, para mobilizar a população silenciosa, provavelmente Trondheim não teria assistido a esse acontecimento histórico, verdadeiro símbolo da resistência sámi — ao congresso que exacerbou o orgulho da minoria e hoje é festejado anualmente, permanecendo a data de 4 de Fevereiro como o Dia Nacional dos Sámi.

 

Pinturas rupestres

Um dia, sob um céu sem uma única nuvem, aterrei em Alta, os motores do avião ficaram ainda a trabalhar mas não tive de esperar mais do que uma hora para ser entregue a um silêncio que me apaziguava a alma. Era Verão, sabia que ao dia se seguia o dia, mas a memória de noites intermináveis, preso às trevas eternas, martelava-me o cérebro como gotas de chuva desprendendo-se de uma abóbada carregada de tonalidades de um cinzento de chumbo.

Acontece-me com frequência, como viandante, levar os meus passos vagarosos ao encontro de um lugar, de um recanto, de um monumento ou simplesmente, como em Alta, de um passeio que mordisca a água para acreditar que, mais do que um reencontro com o espaço físico, aquele será o momento em que voltarei a viver, talvez ainda com mais paixão, a história gravada na alma de um tempo feliz — revisitar lugares é como deixar que as pernas levem o corpo para a frente, enquanto a memória teima em andar no sentido oposto.

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