A pequena capela ergue-se ao fundo de um largo de antigas casas de romeiros, de fachadas brancas bordadas a azul. Ao longo da história, foram muitos os círios que rumaram a São Julião em peregrinação e, ainda hoje, todos os anos, termina aqui em Setembro o Círio de Ribeira de Pedrulhos (Torres Vedras), a que o povo chama círio da água-pé. O portão do alpendre de acesso à capela está fechado e não se vê vivalma nas imediações. No interior da igreja, conta Mário, as paredes revestem-se a painéis de azulejos que narram a vida de São Julião e Santa Basilissa, o casal casto martirizado no início do século IV.
É um lugar com “uma rusticidade importante”, defende Mário, marcante pela proximidade ao mar e pela localização inóspita. Junto à arriba, ergue-se um cruzeiro datado de 1784, onde começa um caminho das almas até ao cemitério da igreja da Senhora do Ó. Lá em baixo, “uma fenda geológica interessantíssima” parece cortar a escarpa para deixar-nos sob os pés uma língua de mar revolto. Ondas e vento é tudo quanto se ouve. Descemos até à praia de São Julião, mais “selvagem”, e partimos até à praia da Foz do Lizandro, onde o rio encontra o oceano. Para Mário, as infra-estruturas veraneantes aqui recentemente edificadas são um bom exemplo de construção moderna em espaço natural. Respondem às novas necessidades sem chocar com a paisagem envolvente. Paramos para um café de olhos soalheiros sobre ondas e surfistas e continuamos até à última paragem do dia: a igreja de São Sebastião, na Ericeira.
A visita é rápida. Veio à conversa a história de São Sebastião — e não podia faltar Ericeira ao percurso. Ora São Sebastião foi um soldado romano que, por se ter convertido ao cristianismo, foi condenado à execução por meio de flechas. Numa associação simbólica, o povo passou a invocá-lo contra a peste, tida como flechas de Deus, punição pelos pecados da humanidade. Depois da pandemia de peste bubónica que assolou a Europa no século XIV, dizimando milhares de pessoas, foram erguidas igrejas em honra a São Sebastião à entrada de várias localidades portuguesas como forma de protecção contra a epidemia. Através delas pode-se hoje descortinar aquilo que “era o limite urbano do século XV” em cada localidade onde se encontram.
A Ericeira, portanto, começava aqui, com a sua malha apertada de casario a descer nas costas da capela de corpo hexagonal e cúpula em gomos cinzentos, suficientemente apartada da vila piscatória, não fosse a peste galgar a ermida antes de o santo mártir a dominar. “Somos consumidores de símbolos”, há-de concluir Mário Pereira. Actualmente a Ericeira é sinónimo de surf e de Verão, alargando-se em vivendas de férias muito para lá da capela de interior revestido a azulejos coloridos.
Um palácio para admirar
Podíamos dizer que foi debaixo de terra que toda esta viagem começou e não estaríamos a mentir por completo. É que foi na estreia das visitas nocturnas aos subterrâneos do Palácio de Mafra — abertas pela primeira vez ao público este ano, no âmbito das celebrações do 300.º aniversário do monumento — que iniciámos aquilo que viria a ser um périplo pelo concelho.