Fugas - Viagens

  • Amanda Ribeiro
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    Sossusvlei Amanda Ribeiro
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    Yvette Naris, em Solitaire Amanda Ribeiro

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Estamos na Namíbia ou noutro mundo?

Fazer um safari no Etosha é um dos pontos obrigatórios em qualquer guia de viagens da Namíbia. O parque tem a fama, merecida, de ser um dos locais em todo o continente africano em que é mais fácil ver animais selvagens, mesmo sem guia. A própria geografia ajuda: terrenos áridos, vegetação rasteira, vários charcos de água, naturais e artificiais, que atraem os animais, sobretudo na estação seca — mas não nos demos mal em Abril, fim do período das chuvas. A última palavra, porém, é sempre da natureza e há que respeitá-la, como diz Daniel; a segunda expedição voyeurista, realizada no dia seguinte a tamanha procissão, já nos parece revelar um outro país, um outro Etosha. Contaram-se umas aparições simpáticas de zebras e girafas, uns tímidos leões e um fotogénico rinoceronte ao pôr do sol, magnífico animal de outras eras. E, claro, estradas a perder de vista que atravessam a savana, planícies intermináveis pontuadas por acácias, ninhos de térmitas, pequenos arbustos.

É essa, aliás, uma das grandes características da Namíbia: para onde quer que se olhe tem-se sempre a sensação de que há muito espaço por acontecer. E muito para acontecer. Estamos no 34.º maior país do mundo, com 825 quilómetros quadrados de área total e escasso acesso a água, e não se vê vivalma. Aqui vivem pouco menos de 2,5 milhões de habitantes, distribuídos de forma muito pouco homogénea pelo território — a maior cidade, a capital Windhoek, tem cerca de 350 mil moradores. É possível, e provável, andar horas e horas por estradas franzidas de uma beleza insofismável e contabilizar duas mãos cheias de pessoas. E é certo que grande parte serão viajantes ao volante de jipes alugados com tendas presas no tejadilho. É que a um dos países com menor densidade populacional do mundo chega todos os anos uma batelada de turistas: em 2015, foram 1,3 milhões, segundo os últimos dados oficiais. Numa economia bastante dependente da extracção mineira (há, por exemplo, diamantes, chumbo, zinco, estanho, prata, tungsténio, urânio e cobre), e em que a grande maioria da população é pobre e vive da agricultura de subsistência, o turismo, em particular o ecoturismo, ganha espaço, tendo contribuído em 2016 para a criação de 116 mil postos de trabalho (directos e indirectos), de acordo com o último relatório do Conselho Mundial de Viagens e Turismo. Não é pouco significativo para um país que se debate com um grave problema de desemprego.

E o que querem os viajantes? Procuram a natureza, a vida selvagem em todo o seu esplendor — não é à toa que, hoje, quase metade do território está sujeito a algum tipo de regime de conservação; e não é à toa que se têm multiplicado os lodges de luxo com os seus próprios charcos de água para atrair animais, em que se adormece a escutar rugidos, ululares e zumbidos. Procuram a segurança, assinatura de um país que se mantém politicamente estável há mais de 25 anos, um caso raro em todo o continente. Mais precisamente desde a independência da África do Sul, em 1990, altura em que o Sudoeste Africano se tornou oficialmente República da Namíbia, libertando-se assim dos grilhões do apartheid. Há quem lhe cole o epíteto “África para principiantes”, tal é a organização de cidades como Windhoek ou Swakopmund, com grandes avenidas pavimentadas e edifícios de matriz colonial, herança do domínio alemão que imperou do século XIX ao fim da Primeira Guerra Mundial. Ao caminhar por ruas em que mal se vê um papel no chão, ao entrar nas casas de banho impecáveis das estações de serviço, sente-se um certo “orgulho”, uma “espécie de presunção cívica”, como descreveu Paul Theroux em O Último Comboio para a Zona Verde, “impressionado com o asseio, a organização e o bem-estar” da capital. Consegue ser uma nação de extremos, dos índices às paisagens. O PIB per capita é um dos mais altos do continente, bem como a taxa de literacia. No entanto, este é um país marcado por grandes desigualdades (até hoje, grande parte da riqueza e das terras mantém-se nas mãos da minoria branca). Da mesma forma, tanto é possível caminhar num tórrido deserto sem fim, como ir a uma praia e encontrar lobos-marinhos que julgávamos pertencer a outros climas ou visitar a OrumbondeBooks, uma pequena livraria em que à janela, bem visível, está uma orgulhosa bandeira arco-íris (numa cidade, Windhoek, num país, cristão, num continente, em que ainda há muito por fazer em termos de direitos LGBTI). Pela estrada fora há um território que tem tudo — e esta diversidade não só atrai, como preenche. Fizemos mais de três mil quilómetros sobre rodas; e tanto que ainda ficou por palmilhar.

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