Do silêncio à cacofonia
Às vezes, parece que estamos num filme. Ou antes, a fazer um filme. A velocidade com que tudo muda lá fora, para lá da nossa caixa de aço com rodas, quase dá a impressão que estamos dentro de um carro de brincar, num qualquer estúdio de outros tempos, em que telas de vídeo exibem vistas em movimento. E assim avançam os protagonistas. Ainda agora víamos as montanhas vermelhas de Damaraland, tão rochosas e inóspitas, pontuadas por saltitantes springboks, e de repente já estamos junto ao mar, com um oceano de areia branca aos pés. E está frio.
No Parque Nacional da Costa dos Esqueletos há realmente esqueletos — de navios. Percebe-se como, ao escutar o ranger do Atlântico, animado pela corrente de Benguela. O nome vem das ossadas de baleias que aqui morriam, e também dos navios, claro. Com carinho, os navegadores portugueses chamavam a esta zona “As Portas do Inferno”. É que um naufrágio aqui equivalia a dar de caras com o cruel deserto do Namibe, a não encontrar água ou comida, a caminhar sem solução à vista. Ao longo dos cerca de 500 quilómetros de costa há muitos cadáveres de navios para encontrar, alguns mais visíveis que outros, todos morbidamente fotogénicos (também há quem os espie partir das nuvens em tours de avioneta).
Percorrer esta margem é também conhecer uma outra forma de silêncio, apenas interrompido pelo som do oceano e pela passagem de outra caixa a motor com rodas. Até que, à chegada ao cabo da Cruz, onde um padrão assinala a passagem de Diogo Cão, o primeiro europeu a pisar a costa da Namíbia em 1485, abre-se a porta e... tudo é diferente. Adeus, sossego, quietude, paz. Já nada disto existe, antes uma cacofonia estridente de… balidos? Serão berros? E este cheiro, um cheiro absolutamente… nauseabundo. Um odor que invade, sem piedade, o ar outrora límpido, diferente de qualquer um alguma vez farejado por estas inocentes narinas. Daqueles que ficam, percebemos depois, que se entranham em cada poro, pêlo, fiozinho de cabelo.
Desfecha-se então todo um aparato: milhares de lobos-marinhos estendidos no areal, que mal se distingue entre os corpos prostrados. Uns a imitar estátuas ao sol, outros enfurecidos com o vizinho do lado, crias a reivindicar atenção, surfistas na crista da onda. Existem três espécies destes mamíferos no sul de África e os lobos-marinhos-do-cabo (Arctocephalus pusillus pusillus) são uma delas. Nesta colónia, vivem durante todo o ano entre 80 mil a 100 mil animais. Lá voltamos nós, mas temos mesmo de repetir: estamos mesmo na Namíbia? Estamos. Mesmo que a 130 quilómetros daqui nos julguemos na Europa ao calcorrear Swakopmund, que os guias de viagem descrevem como “mais alemã que a Alemanha”. Faz sentido, muito.
Fundada em 1892, foi durante o período colonial alemão o principal porto do país; hoje, é um lugar charmoso no meio do deserto à beira-mar, uma verdadeira estância balnear algo burguesa. As praias são simpáticas, há avenidas abertas com palmeiras nos passeios, edifícios coloridos que exalam o passado colonial. Com 45 mil habitantes, muitos de raízes germânicas, é a quarta maior cidade do país, depois da vizinha Walvis Bay, ambas excelentes cidades para comer marisco (The Tug, fica a dica).