Fugas - Viagens

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Estamos na Namíbia ou noutro mundo?

Por Amanda Ribeiro

Animais selvagens em vida selvagem. Dunas de pele vermelha. Paisagens de ficção científica. Estradas introspectivas a perder de vista. Fizemos mais de três mil quilómetros sobre rodas por um país que tem tudo — e ainda tanto ficou por palmilhar.

Debaixo de uma acácia, um verdadeiro postal africano: um grupo de leões, pachorrentos mas não menos temerosos, dormita. Contamos as cabeças, a partir do jipe que nos enclausura do que está lá fora: uma, duas, três leoas, quatro patas no ar, a singular pose de um felino adormecido. Ao volante, olhos de lince, o guia Daniel Anton avista o que tantas vezes vê: um solitário gnu, afastado da manada. Foge das cabeçadas de um outro, que o segue a uma distância respeitável — será o mesmo par que ainda há pouco cortava a serena paisagem do Etosha, o mais popular parque nacional da Namíbia? “Vamos esperar”, decide Daniel, enquanto roda a chave e desliga o motor. “A ver se acontece alguma coisa.” O “alguma coisa”, percebemos depois, é a vida selvagem a acontecer, o mundo a dar-nos uma lição.

Estacamos em silêncio. Totalmente alheio aos predadores, o primeiro gnu passa a escassos metros do letárgico grupo, que tão-pouco presta atenção ao possante animal. A sua presença, no entanto, terá despertado alguma coisa, um desejo, uma fome: o segundo gnu já não passa despercebido. Ergue-se uma leoa e lá engolimos em seco. Começa a perseguição. Lenta, demorada, determinada. Avança, rasteira, apenas quando o gnu pára para se alimentar — e nós, dentro do todo-o-terreno, acompanhamos a cena à distância, pelas longas estradas de gravilha que possibilitam a circulação pelo parque. Entretanto, chamados pelos walkie talkies dos guias, já se juntaram mais jipes, mais carrinhas, mais turistas de tez branca carregados de grandes objectivas, num cenário algo desconfortável. Acompanhamos até onde podemos: meia hora, 45 minutos depois, a leoa ainda está no encalço da presa, perseverante e sem pressas, afastando-se para além do nosso campo de visão. O ataque, a ter acontecido, já foi para além das estradas transitáveis.

“A natureza é paciente. Os predadores são muito oportunistas e também pacientes, sempre à espera do momento certo. É também o truque nos safaris: temos de ser pacientes.” Enquanto fala, Daniel não deixa de passar a pente fino as bermas das estradas com o olhar. Tem 29 anos, quase 30, e um terço passou-os aqui, enquanto guia da Etosha Game Viewers, uma das várias empresas que faz safaris nesta gigantesca área protegida a norte da Namíbia (22 mil quilómetros quadrados de território, 114 espécies de mamíferos, incluindo quatro dos Big Five, excepção feita ao búfalo). Para ele, que faz isto todos os dias, que já presenciou milhares de momentos BBC Vida Selvagem, cada viagem é um “jogo”, uma espécie de “caçada de imagens e experiências”. A pergunta é: “O que será que a natureza me vai mostrar hoje para eu mostrar aos visitantes?” Foi simpática, ela: em poucas horas, a partir do acampamento de Namutoni, vimos uns quantos leões, uma sensualíssima chita, um rinoceronte, e logo dos brancos, uma respeitável manada de elefantes, para além de muitos órix, springboks, girafas, impalas, abetardas, rolieiros-de-peito-lilás. E, no coração do parque, ali mesmo no Etosha Pan, um lago formado há milhões de anos que é agora uma depressão desértica salina de cinco mil metros quadrados, uma família de raposas-orelha-de-morcego deu o ar da sua graça. Para gáudio de Daniel: “Uau, já não as via há algum tempo.”

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