Fugas - Viagens

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    A fusão dos negros da África subsariana com os habitantes do Magrebe resultou na gnawa, uma dança tradicional executada pelos berberes Daniel Rocha
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  • Aicha, uma das mulheres que trabalha na cooperativa
    Aicha, uma das mulheres que trabalha na cooperativa Daniel Rocha
  • Hmad Bem Amar, um dos responsáveis pela revitalização do ksar El Khorbat
    Hmad Bem Amar, um dos responsáveis pela revitalização do ksar El Khorbat Daniel Rocha
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Majhoul, ou a tâmara mais saborosa do Sul de Marrocos

Por Luísa Pinto

A vida num ksar, a arquitectura dos kasbahs, noites estreladas no deserto, dunas incríveis a perder de vista, oásis, khettaras e desfiladeiros. O imenso reino de Marrocos quer apostar no ecoturismo e valorizar o seu património natural e cultural. E está a fazer por isso.

Não é fácil descrever, com exactidão, o caminho para lá chegar. É um autêntico labirinto feito de escadas, degraus de todos os tamanhos, salas e corredores, pátios e portas. E tapeçaria colorida, velas em lucernas, brique-a-braque em pequenos apontamentos decorativos. Não levávamos bússola, mas tínhamos à frente o homem de vestes brancas, que nos dizia “venham por aqui”. E a pequena multidão seguia-o.

Também havia algumas placas a indicar ora casas de banho, ora quartos identificados por números, ora salas de leitura. Tive vontade de sair da fila, para me perder por aqueles corredores. Ainda espreitei por uma porta entreaberta (shame on me) e deparei-me com uma cama cheia de almofadas e uma linda decoração em tons de azul turquesa. Lembrei-me da criança que deixara em casa, e que quer fazer pula-pula em tudo o que é colchão, mas o apelo do homem da djellaba branca (traje típico, que serve tanto homens quanto mulheres) era sempre  mais forte. Onde é que ele nos queria levar, afinal?

No programa estava uma visita ao Museu do Oásis, o único em Marrocos. Nós continuávamos a segui-lo pelo labirinto. Até que chegámos lá. E o lá era só o enésimo terraço, onde uma piscina que pode parecer lilliputiana (isto para quem tiver como referência as dimensões olímpicas) fazia o deleite de uma turista alemã, madura e enxuta. “Tenha cuidado com o sol”,  dizia-lhe Hmad Ben Amar, ia a manhã já bem alta, perante o sorriso da turista. Antes do museu, Hmad quis levar-nos para aquela última sala onde uma mão cheia de cadeiras e um sistema de som que não funcionava (mas também não era preciso) estavam preparados para nos contar uma história de dedicação e de perseverança. A história dele, que se confunde com a história de toda a aldeia.

Hmad Ben Amar nasceu ali, naquele ksar da cidade de Tinejdad, a 50 quilómetros de Tinghir, em pleno vale do rio Todra. Saiu de casa aos vinte anos, para tentar a sorte como emigrante na Europa. Acabou em Barcelona, a trabalhar numa bomba de gasolina, onde esteve dez anos, que foram suficientes para fazer amigos — e depois sócios. Trouxe-os, aos dois, para lhes apresentar a terra natal, um emaranhado de casas construído em 1860 no meio do deserto marroquino. Quis mostrar-lhes o sítio de onde todos querem sair — porque não há água, não há saneamento, não há electricidade, não há estradas. O sítio para onde ele sempre quis voltar, e trazer muita gente com ele.

Mas voltemos a Hmad Ben Amar, e ao discurso que quis fazer a jornalistas, operadores turísticos e autoridades regionais, depois do lembrete à turista alemã. Hmad contou a sua própria história, e por que é que há mais de vinte anos quis emigrar. “Não é fácil viver num ksar. [Parênteses para explicar que ksar é o nome dado às cidades e aldeias muralhadas, correspondem aos núcleos medievais que conhecemos. A diferença é que ele não se organiza em torno de um castelo]. Viver num ksar é sinónimo de ser pobre, de não ter oportunidade. É, sobretudo, sinónimo de não ter futuro”, começou. “Se dizemos que vivemos num ksar, viram-nos a cara. É dizer que vivemos num bairro pobre, sem condições. Os homens não arranjam emprego. Os homens continuam a discriminar as mulheres. É um ciclo vicioso”, relata.

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