No topo há o que chamam de o “castelo”, e que é a habitação da família, quando está de visita. Não se pode entrar no edifício, mas terá a oportunidade de percorrer os jardins bem cuidados deste espaço, ainda que o local com mais potencial e mais interessante seja o velho lagar, cheio das máquinas em que antigamente se produzia o azeite, antes das exigências de segurança e higiene dos últimos anos terem obrigado à deslocação da produção para outro local. Ali podia existir um museu e quem lá trabalha diz que sim, que talvez isso ainda vinha a acontecer. Na Quinta do Bom Sucesso também há uma minúscula loja e, não se deixe enganar – aquelas garrafas que parecem de champanhe são mesmo de azeite. É verdade.
“Lá vêm os artistas que fazem coisas engraçadas”
Uma semana por ano, desde há cinco anos, a população de Abrantes cresce em cerca de cem pessoas. Não são muitas, mas têm ajudado a mudar a cidade e a retirá-la do esquecimento. São os participantes do Creative Camp do Canal 180, que este ano se instala na cidade entre 2 e 9 de Julho.
Luís Fernandes, do Canal 180, descreve o acontecimento anual como “um evento multidisciplinar nas media artes”, mas em Abrantes as pessoas olham para ele de forma um bocadinho diferente. Os mais velhos, diz, Joana Borda d’Água a rir-se, demoraram a assimilar quem eram aquelas pessoas de diferentes países que invadiam a cidade, levando intervenções artísticas para a sua porta. “Agora, já dizem, cá vêm os malucos, os artistas que fazem coisas engraçadas. Já acham mais piada”. Carlos Bernardo não tem dúvida em classificar o Creative Camp como algo “super-interessante”, a que só pede “um pouco mais de envolvimento da comunidade”.
Além de mexerem com a economia local, durante aquela semana, e de contarem entre as suas actividades com um festival que chama mais pessoas à cidade, o Creative Camp tem promovido diversas intervenções nas ruas de Abrantes. Várias são de carácter efémero, mas outras vão ficando, como a marca perene de que algo passou por ali.
No ano passado, por exemplo, o colectivo espanhol Boa Mistura fez uma série de pinturas com palavras coloridas em vários espaços do centro – incluindo nos claustros do Convento de S. Domingos – mas o que hoje fica, sobretudo, como memória da sua passagem por Abrantes é a empena de flores coloridas num dos prédios da Praça Barão da Batalha. Noutra parede de um prédio do centro histórico está uma pintura feita há dois anos pelo britânico INSA que, explica Luís Fernandes, não pode ser contemplada em toda a sua dimensão apenas olhando para aquela fachada. Na verdade, aquele é o resultado final de várias pinturas feitas pelo artista que não publicita o rosto, e cuja evolução resulta num gif., que só pode ser percepcionado online.
Pelo centro também há ainda vestígios das minúsculas figuras que Isaac Cordal instalou em candeeiros e fios de electricidade, mas, admite Joana Borda d’Água, “a maior parte delas desapareceu, foi roubada”. E o que já não pode mesmo ver, mas que foi das intervenções mais divulgadas, é a pintura Quando as Crianças Dormem que os franceses Ella & Pitr fizeram no relvado do castelo. As crianças gigantes e coloridas só puderam ser desenhadas com recurso a um drone e só podiam ser vistas totalmente também a partir de cima. Hoje não há vestígios físicos dessa obra de há três anos, e Luís Fernandes diz que está muito bem assim. “A peça era feita com tinta de água, às primeiras chuvas saiu. Mas nós não queremos ser um festival de arte urbana. As nossas intervenções têm que te um lado mais media, mais tecnologia”, diz.