Fugas - Vinhos

  • Manuel Roberto
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A genica, a força, a energia, a invenção está tudo do lado dos DOC Douro

Muitas vezes esses encontros geraram atrito, por vezes violência. Teria de ser assim?

Se nós retirarmos o que vinha de trás, do género açúcar, especiarias, escravos, ouro do Brasil, tudo coisas tiradas noutras partes do mundo, o produto que mais tempo ocupa com taxas da ordem dos 60 a 80% das exportações portuguesas é o vinho e dentro do vinho é o vinho do Porto.

O vinho do Porto foi durante 100 ou 200 anos o principal produto do comércio externo português. Do ponto de vista nacional, temos ali o lombo, o tesouro com que Portugal vai poder importar roupas, maquinarias. Tudo o que Portugal importou dos países industrializados foi pago com vinho e sobretudo com vinho do Porto. O vinho do Porto está no centro da política nacional praticamente durante 100 ou 200 anos.

Só o deixa de estar, na prática, por volta de 1960.

Com a exportação de outros produtos, as celuloses, a cortiça, a têxtil, e com a participação na EFTA [em 1960], a partir de um certo momento, o vinho do Porto passasse a representar apenas 10% das exportações, depois seis, cinco, quatro, três, dois… As autoridades políticas portuguesas já não se preocupam com o vinho do Porto há uns 30 anos, de todo, porque para eles não tem importância. Vêm perguntar: ‘mas, a Autoeuropa é mais importante do que o Douro…’ O vinho do Porto perdeu importância.

Escreveu que a criação da Companhia pombalina foi o “acto fundador do Douro”. Desde então fica-se com a sensação que o Douro só age pela intervenção do Estado, nunca de acordo com uma vontade dos seus agentes.

O Douro antes da Companhia não existia. A Companhia deu-lhe identidade e centralidade. Antes havia lavradores e produtores avulsos. O que dava mais unidade ao Douro era a participação inglesa, a partir do comércio exportador no Porto e em Gaia. É curioso: se o compararmos com as regiões vinícolas do mundo inteiro, o Douro é singular. Nem sequer o nome do vinho é o da região. É como se Bordéus não fizesse parte de Bordéus.

O Porto é aqui [a entrevista foi realizada no Porto], não a região que produz. O comércio está todo aqui. Só mais tarde com os Paladinos [um movimento de lavradores que levou à criação da Casa do Douro, em 1932] e com a própria Casa do Douro é que se começou a organizar a produção. A Companhia vem criar uma unidade. Cria fronteiras e com isso uma quase nacionalidade que indica que este pode produzir e aquele não, produzir o quê e para quem.

Disciplinou a produção. Logo aí acontece uma coisa importante, que é proteger o Douro da concorrência interna, dos vinhos da Estremadura, do Ribatejo, do Alentejo… o marquês de Pombal mandou arrancar milhares de hectares no país inteiro para proteger o Douro. Obrigou-se o Porto a consumir os seus vinhos, caríssimos, o que deu origem ao famoso motim do Porto [revolta popular liderada pelos taberneiros, em 1757]. Ao criar uma identidade e uma economia através da Companhia, o Douro passou a ter uma cabeça.

Que nunca se deu bem com as correntes do liberalismo económico…

Não. Por duas vezes, sobretudo uma, no século XIX, quando é decretada a liberalização e a Companhia é extinta, tudo corre mal. Os preços do vinho caem, a concorrência começa a ser exacerbada por todos os lados, a pirataria, o contrabando de vinhos, tudo começa a correr mal. Não há vinho de qualidade que se faça sem legislação. Quando a Companhia é extinta, os outros países estão a reforçar a disciplina e Portugal faz aquele episódio, que dura 20 ou 30 anos, de total liberalização e ninguém se entendeu bem com isso.

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