Fugas - Vinhos

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A genica, a força, a energia, a invenção está tudo do lado dos DOC Douro

Por Manuel Carvalho

Vinte anos depois, António Barreto regressou ao seu livro sobre o Douro. Neste lapso de tempo houve coisas que pioraram, mas há também um acontecimento que impulsionou um “novo Douro”: a revolução dos vinhos de mesa.

António Barreto, sociólogo, é um dos mais profundos conhecedores do Douro contemporâneo. As suas análises sobre a evolução dos seus vinhos fazem cruzar no presente a memória e os desafios com que a região se confronta no futuro próximo. Preocupado com o défice de representação do Douro (“o Douro não tem voz”, lamenta) e com a excessiva concentração do comércio em seis grupos exportadores, Barreto alerta para os perigos com que a região se confronta.

Apaixonado pelo Douro, que conhece como se fosse a sua “casa”, o sociólogo é igualmente um devoto aos seus vinhos. Nos Porto prefere por agora os Colheita, embora já tivesse passado pelos Vintage. Mas se os Porto são o emblema do Douro, os seus DOC são a revolução que aponta o futuro.

Vinte anos depois regressa ao  seu livro sobre o Douro, depois de se ter dedicado a um documentário sobre a região. É uma pulsão relacionada com o regresso às origens ou uma curiosidade intelectual que não se esgota? O que o faz regressar tão recorrentemente?

A primeira resposta é isso, é voltar a casa periodicamente. Eu saí de casa há muitos anos, tinha 18 anos, ou 17, fui para Coimbra, fui para Lisboa, fui para a Suíça e repetidamente regresso a casa. Já não tenho praticamente família no Douro, não tenho casa, não tenho terra, não tenho vinha, infelizmente. Mas tenho uma região, tenho uma terra.

Esta é a minha terra. Alguém me dizia um dia que isto era a minha paixão, mas eu digo que não: as paixões matam, as paixões não são recomendáveis. Então é amor… Também não é amor, porque tem-se amor por pessoas. E isto é mais o regresso a casa, sentir-me familiarizado com o meio ambiente, com as coisas. Mesmo que a Régua, Vila Real ou o Pinhão tenham mudado muitíssimo, quando estou no Douro sinto-me sempre em casa. Sei sempre onde está o interruptor e onde está a porta ou as escadas. É a minha casa e na minha casa sou capaz de andar com os olhos fechados.

O Douro é isso, com uma vantagem suplementar: é que, além de ser uma belíssima região, é também uma das regiões mais complexas. Em Portugal, no plano local, regional, nacional político e internacional, o Douro está tudo. Onde está o vinho estão as alianças geoestratégicas, está a política, estão as finanças públicas, está tudo envolvido na história do Douro e do vinho.

É um desafio intelectual tentar perceber essa complexidade?

Sistematicamente uma procura de tentar perceber, mas nunca se consegue perceber tudo. Há sempre mais qualquer coisa.

Houve alguma evolução nessa tentativa de entender o Douro?

Houve evolução. Tenho na minha vida um período em que me achava muito cosmopolita, em que achava que quem tinha feito o Douro foram, no essencial, os ingleses. Depois também atravessei a minha fase nacionalista, em que achava, ‘não senhor, os ingleses são os piratas, quem fez tudo foram os portugueses, os lavradores, os trabalhadores, os galegos’.

E, finalmente, percebi, há uns anos, usando uma expressão que pedi emprestada a um historiador francês, que o Douro é um local de encontro. Um encontro entre os portugueses, os ingleses e o mundo; um encontro entre lavradores, os proprietários, os consumidores; um encontro entre políticos e os locais e se não fosse uma acção tectónica destes conjuntos, não havia vinho do Porto. O vinho do Porto não é um produto natural. É uma construção.

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