No seu regresso a casa sente-a mais desarrumada ou não? Refiro-me à gestão da paisagem.
Tenho sentimentos contraditórios. Estou muito irritado, com receio mesmo de um ou dois desenvolvimentos. Houve a maluqueira das monocastas e da destruição de vinhas velhas e agora parece que se está a corrigir, que era um erro causador de erosão e de perda de diversidade.
Tenho receio da modernidade turística sem controlo e sem disciplina. Fizeram-se asneiras naquele bocado de auto-estrada à volta da Régua, que deixou feridas de betão na vinha, uma coisa absolutamente escandalosa, junto a vinhas que são Património Mundial.
Depois as barragens. Discute-se a barragem do Côa, é só uma, depois vem o Sabor, depois vem o Tua. Como vão ficar os vales dos afluentes do Douro? Estou com receio que se tenha feito de mais. Depois há um espécie de absoluto imperialismo de duas ou três grandes empresas, de dois ou três grandes interesses. Energia hidroeléctrica: nós queremos investir, queremos gastos, queremos fazer, temos dinheiro da Europa, de Portugal é preciso investir no quilowatt? Valia a pena ter dado cabo do vale do Tua e do Sabor?
Qual é a sua opinião?
Eu acho que não. Eu vou dizer uma coisa tonta, não tenho medo que o digam: vamos ter quatro ou cinco vales [com barragens], vamos deixar dois ou três. Não vamos faze-los todos. Vamos ter mais cuidado com a nossa paisagem natural. Este império do quilowatt, do betão, do asfalto continuam em nome de quê? Eu não vejo em nome de quê. Tem-se desenvolvido o turismo fluvial, que eu acho maravilhoso, já fiz duas ou três vezes a viagem para cima e para baixo. Mas atenção: até onde é que vamos? Já tive situações em que por exemplo os hotéis são perto do rio e tem os cruzeiros toda a noite a fazer barulho em frente aos hotéis. Já está a haver um excesso.
Mas não há quem pense transversalmente a região.
A região demarcada não tem a sua cabeça. A Companhia não existe, a Casa do Douro está como está, o instituto não é o negócio dele, as autarquias não se entendem, as cooperativas idem, aliás três ou quatro já fecharam. Falta uma centralidade no Douro, falta um porta-voz, que pode ser uma pessoa ou uma instituição. Poderia ter sido a Casa do Douro, há 30 anos ou 40, mas perdeu-se essa oportunidade. Se tivesse isso, a lavoura tinha mais força, a região tinha mais força no país.
No desenvolvimento da viticultura e das escolhas das castas não houve um certo deslumbramento novo-rico, que esqueceu a tradição e o saber de três séculos da região?
Houve exactamente isso, uma facilidade de se pensar que se for tudo Touriga é melhor. Simplesmente, há dez anos, houve umas pessoas, como o Dirk Niepoort, que eu vi fazer um verdadeiro comício a dizer ‘não arranquem as vinhas velhas’, como o António Magalhães, os Roquettes do Crasto e de repente eu sinto que hoje quem tem vinhas velhas está a ganhar mais do que quem tem vinhas novas. Quem quer vinhos melhores vai às vinhas velhas. Creio que ai tem havido uma espécie de reacção que veio espontaneamente e que mexe com os interesses. Se eu der conta que o meu vinho melhora com vinhas velhas, eu não arranco as vinhas velhas.