Fugas - Vinhos

  • Manuel Roberto
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A genica, a força, a energia, a invenção está tudo do lado dos DOC Douro

A transformação da Casa do Douro, que em Janeiro perde funções públicas e a inscrição obrigatória, transformando-se numa associação privada como as das outras regiões do país, vai fragilizar ainda mais a sua situação?

Eu acho que vai fragilizar ainda mais porque não se sabe o que vai acontecer a seguir. Fica privada e depois? Quem é que vai estar lá, a fazer o quê, com que objectivos? Não se sabe. Vai perder património, creio que o vinho está todo penhorado, tem aquele edifício que também suspeito que esteja penhorado… Tenho pena que haja uma espécie de liquidação da Casa do Douro para nada.

Eu não gosto de associação obrigatória, é algo que fez o seu tempo. Poderiam encontrar-se soluções institucionais que não se têm tentado. A minha convicção é que se se liberalizar completamente a produção no Douro destrói-se a capacidade, a força social e vinícola da região. A disciplina, que foi muitas vezes imposta, é favorável a uma certa estabilidade social e política.

A disciplina e a protecção hoje no Douro são muito mais acentuadas na produção de vinho do Porto do que na do DOC Douro. O crescente protagonismo dos vinhos do Douro pode gerar conflitos no seio da região?

Eu penso que sim, pode haver conflitos. Anda hoje é para mim um mistério ver como os dois vinhos vão evoluir numa relativa paz entre ambos. Há empresas que já protestam, penso que vai haver ou que poderá haver atrito, mas pode também haver soluções. Estamos perante um caso que, se não é único é quase, que é uma região demarcada que produz dois vinhos diferentes. Não são variantes, são produtos diferentes. Ora para um caso destes valia a pena, quem sabe disto, entre juristas e economistas (economistas não muito, se possível…) ocuparem-se para encontrar soluções capazes de evitar o conflito.

O Douro é uma região de conflito recorrente. Em cada duas ou três décadas reaparece o conflito, ou económico, ou de luta de classes, ou de interesses políticos, ou de interesses externos. Isto é recorrente há 300 anos e tenho impressão que nos estamos a aproximar de uma nova década de atrito, de conflito entre os dois produtos, as duas mecânicas, os pequenos e os grandes. Já sabemos o suficiente depois destas décadas todas para podermos prevenir os conflitos. Mas não sei se os portugueses gostam de prevenir conflitos.

Sendo uma das regiões agrárias mais ricas do país, o Douro continua a apresentar indicadores sociais muito fracos.

De onde isto resulta? Em primeiro da monocultura. A monocultura é uma escravidão em qualquer parte do mundo. Onde há a monocultura, os ritmos de trabalho, a diversidade de trabalho, a variedade de oportunidades são muito poucas. Depois, a cabeça num sítio e o corpo no outro. Gaia tem o comércio e a exportação, e o grosso das mais-valias, e do outro lado está o Douro que produz, com mão-de-obra barata, com o menor possível de capacidade tecnológica e de instrução. Isto manteve-se ao longo dos séculos.

O Douro que há 300 anos já produzia para o capitalismo mundial, que chegava à grande bolsa das mercadorias europeias, - há capitalismo mais cedo no Douro do que no resto do país-, ficou sempre destituído das condições urbanas, educativas, técnicas. Eu nasci no Porto, vivi no Douro e não gosto de me inscrever nesse tipo de seitas que dizem que os ingleses são umas bestas e os portuenses não prestam, mas não tenho dúvida que esta dicotomia entre comércio e produção, o afastamento entre produção e comércio, e mais a escravidão da monocultura são os responsáveis pelo baixo nível de desenvolvimento do Douro.

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