Fugas - restaurantes e bares

  • Mário
Rolando,
formador na
Associação
dos
Cozinheiros,
preparou
uns pães
especiais para
os 25 anos
do PÚBLICO:
fermentaram
durante 25
horas.
    Mário Rolando, formador na Associação dos Cozinheiros, preparou uns pães especiais para os 25 anos do PÚBLICO: fermentaram durante 25 horas. Rui Gaudêncio
  • José de Paula
Rodrigues,
proprietário
do Delícias de
Goa, mostra a
bebinca que
serve no seu
restaurante
em Lisboa
    José de Paula Rodrigues, proprietário do Delícias de Goa, mostra a bebinca que serve no seu restaurante em Lisboa Nuno Ferreira Santos
  • A dona Jú,
do 3 Pipos,
próximo de
Tondela, com
o cabrito
assado no
barro negro
tradicional de
Molelos
    A dona Jú, do 3 Pipos, próximo de Tondela, com o cabrito assado no barro negro tradicional de Molelos Maria João Guarda
  • Um
dos pratos
servidos no
Midori, no
caso dashi de
cogumelos
sobre arroz
cozido — ou
seja, um
ochazuke de
cogumelos
com alga nori
e ovo a baixa
temperatura
    Um dos pratos servidos no Midori, no caso dashi de cogumelos sobre arroz cozido — ou seja, um ochazuke de cogumelos com alga nori e ovo a baixa temperatura

Dar tempo ao alimento

Por Alexandra Prado Coelho

Fomos à procura de alimentos e de pratos que pedem tempo. Temos um pão que fermentou 25 horas, uma por cada ano que o PÚBLICO está a comemorar. Mas também a bebinca, o doce das sete camadas, e um peixe transformado em “vidro”. E tomamos o tempo à cozinha em barros negros.

O tempo é importante para os alimentos. Transforma-os, dá-lhes carácter, aprofunda sabores, faz despertar outros novos. Muitos alimentos são fermentados, e uma fermentação pede tempo, outros são curados, outros deixados a maturar. A carne maturada, hoje tão na moda, desenvolve características que a carne “fresca” não tem. Os queijos com longas curas têm sabores mais complexos e interessantes — assim como os vinhos. Há vida dentro destes alimentos, bactérias que os transformam, trabalhando para nós, em caves sombrias ou em câmaras frigoríficas.  

O padeiro, a massa velha e a fermentação longa

Mário Rolando chega à redacção do PÚBLICO com um saco cheio de pães feitos por ele e um exemplar do livro 6000 anos de pão, de Heinrich Eduard Jacob. Vem satisfeito com o trabalho que fez: estes pães estiveram a fermentar 25 horas, tantas quantos os anos que o PÚBLICO está a festejar neste seu aniversário.  

“Foram 25 horas de fermentação no frigorífico, a 8 graus, uma temperatura a que levedura trabalha muito devagar, mas trabalha. E por isso temos um pão rico em produtos de fermentação”, diz, enquanto tira os pães da mala e vai explicando as diferenças entre eles. Têm farinhas diferentes e leveduras também diferentes — um deles até tem miso, uma experiência que Mário nunca tinha feito antes — mas em comum, para além do tempo de fermentação, têm uma coisa muito importante: a utilização da massa velha.

“Em todos eles usei 50% de massa velha em relação ao peso da farinha. O nosso pão português com mais massa velha é o alentejano, que tem 20%”, afirma. Neste caso, Mário ainda decidiu usar duas massas velhas diferentes, mas fê-lo mais por dificuldade em decidir do que por outra razão. “Podia ter usado só uma, mas não consigo. Olho para uma, cheiro, acho fantástica, e depois fico indeciso. Tenho uma com dois anos, outra com um ano e meio, vou misturando e elas vão ganhando uma vida diferente e vão tendo cheiros e sabores diferentes.”

Mário é formador na Associação dos Cozinheiros Profissionais de Portugal, onde ensina panificação e pastelaria, e recentemente tem feito o pão para jantares de chefs– o último foi o de Leo Carreira, um dos jantares da iniciativa Sangue na Guelra, organizado pela Amuse Bouche na Cozinha Popular da Mouraria, em Lisboa. E, à mesa, os pães de Mário distinguem-se precisamente por essa complexidade de aromas e sabores que vêm das massas velhas e das fermentações longas.  

“Tradicionalmente usavam-se muito as massas velhas porque era a única forma de fazer crescer o pão”, recorda. Era assim com a bisavó de Mário, que, em Messinas, tinha a sua massa velha e todos os finais de semana fazia pão. “Agora muitas pessoas estão a voltar a cozer o próprio pão”, afirma, garantindo que tem havido um interesse crescente por esta questão das massas velhas.

“No tempo da minha bisavó não havia fermento comercial na serra. Mas depois começou a ser fácil comprar levedura, primeiro a de cerveja, depois a comercial, e foi-se perdendo o hábito. E temos um polvo gigantesco que são os fornecedores de matéria-prima para padaria e pastelaria, multinacionais que têm uma força brutal e que invadiram o mercado.” Mas, continua Mário, são estas mesmas multinacionais que começam também a reconhecer a importância das massas velhas e dos processos artesanais. “Algumas têm já colecções extraordinárias de massas velhas de todo o mundo.”

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