Caminha-se nos trilhos inventados pelos pescadores, junto às falésias batidas pelo mar bruto do Atlântico. Pelos carreiros que o gado percorre na serra, quando vai pastar. E por caminhos florestais. Passa-se por minas desactivadas e por fontes com fama de serem santas. Por cascatas e riachos. E por montes com casas brancas, reluzentes. Há ermidas isoladas e ruínas - casas inteiras, sala com lareira e quartos e cozinha, perdidas nos montes, esventradas por árvores e arbustros. E aldeias históricas. Aconselharam-nos um par de botas de caminhada, uma mochila com um piquenique, protector solar. E garantiram-nos que esta rota não é só para fanáticos do trekking. Com pernas pouco habituadas a andar a pé durante dias inteiros, arriscámos algumas etapas.
A Rota Vicentina começa em Santiago do Cacém e termina no Cabo de São Vicente. Ou não. Pode começar no Cabo de São Vicente e terminar em Santiago. Ou melhor: pode começar em qualquer ponto destes 356 km de percurso ao longo da costa sudoeste do país. Cada secção foi pensada para ser concluída num só dia. Nenhuma tem mais de 25 quilómetros.
Pode coleccionar-se aos bocadinhos - uma caminhada hoje, outra para o mês que vem. Ou a aventura pode durar semanas, se semanas seguidas houver livres para lhe dedicar. Uma rede de alojamentos garante que entre cada etapa se pode parar, um dia, dois dias (ou mais), e descansar - e andar a cavalo, de burro, mergulhar, fazer ioga, aprender surf, conforme o orçamento que se tenha para gastar. Caminhar, isso, é de borla. O carro, nestas férias, é suposto ficar estacionado.
O percurso acaba de ser lançado, a marcação dos caminhos não está concluída (falta a parte a sul de Odeceixe), mas já anda na boca do mundo. Jornais e revistas inglesas, holandesas e alemãs, sobretudo especializadas em actividades na natureza, colocam a Rota Vicentina na lista das rotas pedestres a explorar - falam de uma "costa secreta da Europa" (revista britânica Country Walking). Operadores turísticos europeus começam a vendê-la como destino para os amantes das caminhadas.
No top
A Fugas encontrou alguns deles pelo caminho, como Mike Smartt, 63 anos, um conceituado jornalista que em 1997 fundou o site da BBC News. É um homem de cabelo branco e, claramente, pernas em forma. "Há 20 anos que eu e a minha mulher fazemos uma caminhada por ano. Esta é a vigésima", conta num final de tarde, copo de sumo de laranja na mão, sentado num cadeirão com almofadas cor-de-céu-de-Verão, rodeado de sobreiros e oliveiras, numa das herdades associadas ao projecto Rota Vicentina.
Este ano, a agência de viagens com a qual o casal trabalha, em Inglaterra, propôs-lhes a costa alentejana. E cá estão eles. A Fugas encontra-os ao fim de uma semana a andar a pé, pelos caminhos já marcados da Rota Vicentina. Fizeram à volta de 100 quilómetros. Estão longe de parecerem cansados. "Houve um dia em que falhámos os marcos e nos perdemos", contam. Noutro dia tiveram que atravessar um rio "com água pelos tornozelos", diz orgulhosa a mulher de Mike. "E viram as cegonhas?" - diz-se que não há outro sítio no mundo onde as cegonhas façam ninho nas rochas junto ao mar.