Ao ouvir Balázs, recordamo-nos de algo que lemos na edição inglesa da Time Out local. "Cerca de 99% dos húngaros concordariam (uns com os outros) que os estrangeiros ‘nunca compreenderão os húngaros', ainda que poucos reconheçam que o oposto também se pode afirmar: talvez sejam os húngaros que não compreendem os estrangeiros". Não fôramos a Budapeste para tentar ser compreendidos, mas para descobrir e compreender. Tentámos. E não temos a certeza de ter compreendido totalmente esta cidade em que camadas de história e de culturas se sobrepõem numa harmonização dinâmica entre o passado (a imponência do Império Austro-Húngaro ou o período de domínio soviético) e o presente (o envidraçado da arquitectura moderna, a atracção irresistível dos ruin pubs, uma sensação geral de que existe um futuro, apesar do período político e financeiro conturbado).
Budapeste, cidade de quase dois milhões de habitantes sem um centro definido, oferece-se à deambulação entre as suas zonas nevrálgicas: da longuíssima, comercial e turística Váci Utca (Rua Vaci) à nobre, arborizada e luxuosa Andrássy Utca, criada no século XIX à semelhança dos Campos Elíseos parisienses, passando pelo Bairro Judeu, que depois de ter sido o terrível ghetto durante a ocupação nazi e da decadência em que caiu progressivamente, vazio das comunidades que o habitavam há séculos, começou a revitalizar-se no início do século XXI. Voltaram descendentes de judeus emigrados na II Guerra e chegou quem achou que os prédios devolutos não deveriam servir para jogos de especulação imobiliária - das ocupações nasceram os ruin pubs que são hoje componente indispensável da boémia artística de Budapeste. Entre a Töth Árpád Setany (Promenade Árpád Tóth) de Buda, momento em que viramos costas ao bairro do Castelo e caminhamos sob as folhas rosa das cerejeiras japonesas olhando os montes que, primeiro recheados, se vão tornando apenas pintalgados de residências (ali vivem as classes altas da cidade) à medida que a distância aumenta, e o bairro de Újlipótváros em Peste, centro de intelectuais, de livrarias e cinema de bairro que se distingue pelo ambiente descontraído e familiar de gente passeando cães e pedalando de bicicleta em direcção a uma qualquer esplanada, entre tudo isto que é Budapeste, embrenhamo-nos numa descoberta lenta e fascinante. Balázs não tem que se preocupar.
Não sabemos se compreendemos os húngaros conhecendo o seu amor pela arte, patente nos museus muito visitados, na admiração que sentem pelos seus poetas, com destaque para o revolucionário Sándor Petöfi, nos hábitos enraizados de fruição musical nas Óperas e nas Academias e de apreciação das artes de palco nos teatros imperiais. Mas sentimos a cada momento como as diversas influências deixadas por todos os que passaram por estas terras foram deixando a sua marca - a paprika, especiaria indispensável na gastronomia, e os banhos, ex-líbris da cidade, são legado turco tornado 100% húngaro; o obrigatório kürtoskalács, ou bolo chaminé, deliciosos rolos de massa doce cobertos de canela, chocolate, sementes de girassol ou baunilha, são oferta dos húngaros da Transilvânia. No processo de descoberta, encontramos até curiosos pontos de contactos com o temperamento português.