São duas da manhã de uma sexta-feira e Balázs, cabelo comprido de estrela rock, óculos de marrão e casaco adornado com pins dos Nirvana e dos Sex Pistols, empenha-se na defesa da sua cidade. Não que precisasse de o fazer. Já conhecíamos Budapeste há um par de dias e, conhecendo Budapeste, não precisamos de mais para passarmos a defendê-la com empenho. Mas nas proximidades do Museu Nacional húngaro, na Múzeum Korut (Avenida Museu), a poucos quarteirões da Ponte Isabel (a de Sissi, a imperatriz) Balázs, de cerveja na mão à porta de um pequeno espaço anónimo, qual café de estação de serviço decorado a televisão e néon berrante, onde conviviam adolescentes à procura de uma última bebida e homens feitos rotinados nos copos, quer saber. Balázs quer saber o que achamos de Budapeste. Quer também explicar-nos a magia da cidade da forma mais eloquente que encontra. Sai-lhe de outra forma. Pueril: "Imaginem que nasceram em Budapeste e que passeiam nas margens do Danúbio com a vossa primeira namorada de liceu. Conseguem imaginar isso?".
Claro que já víramos o Danúbio, central na organização de uma cidade que vive do abraço que lhe dão as suas duas margens - na ocidental, Buda, na oriental, Peste. Já ali víramos os namorados sentados vendo passar o tempo, caminhando paralelos ao Parlamento, essa obra de dimensão desmesurada, erigida no auge do poder austro-húngaro, que combinou estéticas (o exterior neogótico de óbvias semelhanças com Westminster; os luxuosos interiores de motivos barrocos e renascentistas) e marcas culturais dos vários grupos sociais e regionais do país para exaltar a nacionalidade húngara. Mas, tal como o grande edifício, no qual entramos pelas traseiras, através da Praça Lajos Kossuth, ignora quem passa e nada mais vê se não o Danúbio, também os namorados, os passeantes, os turistas, nada mais olham do que o extenso rio que corre e a margem acidentada de Buda, com o seu castelo, com as árvores nas colinas, com a Estátua da Liberdade que foi homenagem à libertação da ocupação nazi pelos soldados soviéticos (durante o regime comunista, chamavam-lhe jocosamente a "Peixeira" e confirmamos, a folha de palma que a figura feminina ergue confunde-se realmente com a forma de um peixe).
Quando Balász nos lançou aquela pergunta retórica, já tínhamos visto rio e cidade em ambas as margens. Já tínhamos estado no alto do Parque Gerardo, em Buda (é aí que se ergue a Estátua da Liberdade, hoje símbolo húngaro de liberdade húngara), para ver Peste iluminada, as pontes sobre o Danúbio iluminadas, tudo iluminado para fotografar das melhores paisagens de postal que o turista pode desejar. Mas por uma vez, o postal que todos fotografam é realmente deslumbrante. Noite alta, não há bar ou espaço nocturno aberto, mas vemos alguns turistas discretos que se juntam naquele espaço aos casais sentados nos bancos ou na relva e aos bandos de adolescentes rindo e fazendo o que fazem os adolescentes. Todos virados para o Danúbio. Ali percebemos.
Balázs queria dizer-nos quão afortunado é este privilégio de ter os passos da vida marcados naquele cenário. E que nós, os estrangeiros com quem fala, nunca conseguiremos compreender verdadeiramente tal privilégio. Tragicamente, não nascemos em Budapeste.