Em Junho foi anunciado que 311 estabelecimentos de ensino do 1º ciclo iam encerrar em todo o país, resultado do processo de reorganização da rede escolar que, assegura o governo, não ficará por aqui. Já não surpreende: a cada novo ano são centenas as escolas eliminadas do parque escolar activo; nos últimos dez anos foram vários milhares. E o que acontece a todos esses edifícios que pululam pelo país, com arquitectura tradicional vincada, herdeiros de um outro tempo e de um outro Portugal, um que ainda vivia no interior?
Não são poucas as escolas abandonadas pelas aldeias portuguesas. Mas algumas, uma minoria é certo, estão a ser reutilizadas, a descobrir novos caminhos para o futuro ao mesmo tempo que preservam um património arquitectónico único que conta a história da evolução do ensino em Portugal. Das “escolas Conde Ferreira”, as primeiras com edifícios e mobiliário desenhados especificamente para este propósito, às “escolas do centenário”, passando pelas Adães Bernardes, estas estruturas mantêm os traços singulares que, apesar das remodelações posteriores, são um cartão de identidade inconfundível. Contudo, cada vez mais, esses edifícios terão problemas de identidade: agora que faltam crianças para aprender, as autarquias estão a reaproveitar e mesmo a rentabilizar as escolas primárias fechadas – algumas há décadas.
Não é invulgar albergarem juntas de freguesia ou acolherem associações e colectividades locais. Começam a ser residências estudantis (em Pedrógão Grande, por exemplo) e habitação social (como Amarante), e até a receber empresas (em Ponte da Barca ou Póvoa de Lanhoso) – esta segunda-feira, a antiga escola primária de Santa Lucrécia de Algeriz (Braga) inaugura o centro de apoio à educação holística “O mundo somos nós”.
Outras são vendidas ou concessionadas, transformam-se em residências privadas ou em projectos mais ou menos turísticos: centros interpretativos (como em Resende) ou ambientais (em Alvaiázere, por exemplo, com alojamento), restaurantes, alojamentos em espaço rural para vários gostos mas quase todos com, pelo menos, uma característica em comum: a tranquilidade imperturbável da natureza. A Fugas foi conhecer alguns destes projectos – que é como quem diz, aprender como estas escolas se mantêm relevantes nas comunidades.
Alentejo, Cabeça da Cabra: Hoje a lição é sobre a arte de descansar
Como antes faziam tantos alunos vindos dos campos em volta, chego a pé à minha escola primária. Mochila às costas, pasta na mão, chego porém atrasado às aulas. É que acabaram há já umas duas décadas. Noite cerrada, entre os montes isolados e os seus caminhos, a antiga escola primária da Cabeça da Cabra surge quieta e cuidada, envolta por uma orquestra de grilos e cães. Por fora, o tempo não parece tê-la alterado. Na fachada, brilha vivo o “Escola Primária” com que nasceu nos anos de 1950 e que tanto apela à nostalgia de muitos, cercada pelo murinho em volta, com as suas pequenas cancelas, a entrada até à porta de velha madeira, o pau de bandeira que continua erguido e com um jardim frondoso. Assim de repente não diríamos que é uma das muitas centenas de escolas que vão fechando país fora. Mas isto é porque o abandonado edifício tem vida nova para dar a este recanto alentejano que, parecendo isolado, fica a meia dúzia de quilómetros de Porto Covo e das praias. Por fora parece tudo na mesma, lá dentro é um mundo novo.