Entre religião e tradição
O dia não está nada risonho, mas a carga de humidade sentida no meio da serra não engana. E pensamos na sorte que os habitantes das pequenas aldeias por onde vamos passando terão nos dias mais quentes do ano. Na Vila do Gerês, por onde não faltam lojas, hotéis e pousadas, restaurantes e bares, numa vida animada pela presença das termas, o ambiente é semelhante. Com um bónus: o barulho constante de uma pequena cascata. "No Inverno não é assim tão agradável", explica-nos um residente. "Às vezes até dá medo passar por ali", confessa, apontando para uma pequena ponte que passa precisamente sobre a pequena queda de água.
O número de pessoas que vai enchendo os restaurantes não se deve apenas às termas. Por estes dias celebra-se a Festa de São Bento (dias 10 e 11 de Junho) e muita gente viaja para lhe prestar culto no Santuário de São Bento da Porta Aberta, em Rio Caldo, a menos de 10km da Vila do Gerês. Porém, o santuário não carece de dias de festa para encher; ao longo do ano, é visitado por milhares de crentes, mas também por turistas e curiosos.
Foi, precisamente, a forte afluência de peregrinos que transformou uma primitiva ermida, datada do século XVII (e que mantinha sempre as portas abertas, proporcionando abrigo a caminheiros, factor que lhe definiu o nome), num santuário, onde se destacam os painéis de azulejos da capela-mor, que retratam a vida de São Bento, assim como o retábulo de talha coberto a ouro, onde os fiéis vão entrando e saindo sem parar. À medida que a manhã avança, mais e mais gente chega, muitos com promessas para cumprir. Algumas implicam apenas uma oração ou a colocação de uma vela; outras levam crentes, de joelhos, num caminho à volta do santuário.
A devoção minhota, porém, não passa apenas pelo culto religioso. Em Braga, terra do Santuário do Bom Jesus do Monte, a honra aos santos faz-se também com festa. E, em Junho, as festividades de São João serão provavelmente uma boa razão para uma ida (no nosso caso, seguramente um regresso) à cidade. Nem que seja para testemunhar o tom garrido com que a localidade se veste para celebrar os santos populares. Por aqui não há marchas, mas há desfile. "Tudo o que está a ver somos nós [os participantes] que pagamos; que organizamos. Não é tão rico como em Lisboa, mas é muito, muito bonito", descreve-nos uma mulher de traje vermelho e branco, pronta para se juntar ao seu grupo.
O desvio para Braga não estava programado. Mas, em vésperas de 24 de Junho, não resistimos a espreitar uma das festas mais fortes a norte. Mesmo sem sabermos muito bem ao que vamos, assim que chegamos ao centro bracarense, a música atrai-nos até à Praça do Município, onde os vários agrupamentos, associações, freguesias se vão juntando para um desfile que une esta parte da cidade ao grande arraial de São João da Ponte.
A parada só terá ordem de marcha pelas 22h, mas à hora em que chegamos, pouco depois das 20h, já a música invadiu a praça. Canta-se à desgarrada, tocam-se concertinas, bombos, ferrinhos. Acertam-se compassos e abrilhantam-se melodias. Enquanto isso, a praça é infestada por câmaras - fotográficas, de televisão - e à volta juntam-se amigos e familiares dos participantes. O mais novo destes já acusa cansaço e, de vez em quando, senta-se, dando o descanso merecido ao corpo. Três aninhos. É quantos nos dizem ter este pequeno folião. "Está a pé desde antes das sete da manhã!" Ainda assim, entre os breves descansos, lá segue agarrado à sua pequena concertina, tocando e batendo o pé, para contentamento dos mais velhos. "Cada vez há mais gente nova nestas coisas; pena ser tão caro", desabafa a mãe de uma jovem participante no desfile. "Só o acordeão [da filha] foi mais de mil euros."