Fugas - Viagens

  • Sousa Ribeiro
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Colômbia: Na rota do mundo mágico de García Márquez

"Aureliano Segundo foi o glutão invicto até ao sábado de infortúnio em que apareceu Camila Sagastume, uma fêmea totémica conhecida em todo o país pelo bom nome de a Elefanta. O duelo prolongou-se até ao amanhecer de terça-feira. Nas primeiras vinte e quatro horas, depois de ter despachado uma vitela inteira com mandioca, inhame e bananas assadas, além de caixa e meia de champanhe, Aureliano Segundo estava certo da vitória. (...) Dormiram quatro horas. Ao acordar, cada um bebeu um sumo de cinquenta laranjas, oito litros de café e trinta ovos crus."

A motorizada, da qual pouco ou nada já se via no momento em que se cruzou comigo, desaparecia agora ao virar da esquina.

A casa

O primeiro traço são dois traços, como riscos de veludo, por cima de olhos com cores de final de tarde nas Caraíbas. Com a mesma graciosidade com que o faria Tranquilina Iguarán Cotes de Márquez, conduzindo o neto, Rubiela Reyes Yáñez, com os seus cabelos já grisalhos, transporta-nos para o mundo de Gabito, aquele mundo envolto em ecos do passado. Sente-se a fragrância das flores, a frescura do ar, o canto alegre dos pássaros.

-Gabo escreveu o que viveu na casa!

A frase de Rubiela Reyes Yáñez, desde Março de 2010 guia da casa-museu do escritor, tem o poder de uma sentença.

Impelido por forte emoção, deixo que o olhar se encaminhe, que goze de inteira liberdade naquele lugar onde Gabriel García Márquez formou o seu carácter, onde viveu os dias felizes de uma infância feliz. Basta levantar os olhos, logo à entrada da casa, indo ao encontro da fachada vestida de branco, para perceber o espaço que ocupa no coração de Gabo.

"A minha memória mais constante e nítida não é tanto das pessoas, mas da casa onde vivi com os meus avôs. É um sonho recorrente que persiste mesmo agora. Mais, todos os dias da minha vida acordo com a sensação, real ou imaginária, de que sonhei que estou naquela enorme casa velha. Não que voltei lá, mas que estou lá, em nenhuma idade específica, por nenhum motivo particular como se nunca tivesse saído."

Navego ao longo do corredor das begónias, onde as mulheres se sentavam, ao fim da tarde, a bordar e a falar dos amores proibidos. Ao meu lado, serena, está Rubiela Reyes Yáñez. "Gabito gostava das histórias das guerras civis, que escutava do avô, Coronel Nicolás Marquez, e de todos os amigos que o visitavam nesta casa. E também se deixava seduzir pelos comentários das mulheres, as suas superstições e costumes. Ele encontrava sempre um espaço para se divertir."

Gabriel García Márquez, actualmente a viver no México, não teve a oportunidade de conhecer esta réplica, construída com base nas suas memórias de menino e inaugurada o ano passado, no lugar onde veio ao mundo, no dia 6 de Março de 1927. Mas nem precisa de a conhecer, de tal forma está identificado com ela, a despeito de a ter deixado, depois da morte do avô, aos 10 anos. "Para nós, apenas existia uma no mundo: a velha casa dos avós em Aracataca, onde tive a sorte de nascer."

Na sala de jantar, um espaço aberto num dos lados, com acesso ao corredor de begónias, a mesa continua posta como se o coronel estivesse à espera de alguém que irá chegar no comboio do meio-dia, como tantas vezes sucedeu ao longo dos tempos e das páginas de Cem Anos de Solidão. A partir daqui, à esquerda, situam-se os quartos: primeiro o dos avós, depois o de Gabito, com o berço de ferro onde dormiu até aos quatro anos e sempre observado pelos santos que lhe provocavam pavor. "Na casa dos avós, cada santo tinha o seu quarto, e cada quarto tinha o seu morto." Mais para a frente, outros dois que lhe estavam vedados. Num deles, haveria de descobrir, anos mais tarde, estiveram guardados os 70 bacios que os avós compraram no dia em que outras tantas amigas de curso da mãe, Luísa Santiago, a visitaram.

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