Fugas - Viagens

  • Sousa Ribeiro
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Colômbia: Na rota do mundo mágico de García Márquez

Considerado por muitos como um caso perdido, Gabriel Garcia Marquez interpretava na perfeição a tese de que "o amor tem mais quartos do que uma pensão de putas". Se estivesse, como eu, sentado naquela esplanada, àquela hora, quando os polícias ainda matam a fome no interior do La Mona, daqui poderia ver a Casa do Telegrafista, com as suas letras decadentes, pintada de branco e com uma faixa verde térrea, a cor das portas de madeira, já cansadas de serem velhas. No interior do pequeno espaço, Gabriel Elígio García, mais tarde pai de Gabito, ganhou fama, real ou imaginária, de ter uma rede para deitar as mulheres que o visitavam.

As histórias do pai, um telegrafi sta, ainda por cima de pele escura e conservador, logo odiado pelo avô de Gabito, um liberal, misturadas com as recordações da mãe, daquela épica viagem de mula por montes e vales, deram origem àquele que é um dos melhores livros de Gabriel García Márquez: O amor nos tempos da cólera.

-O avô não contava com o telégrafo e com o facto de Gabriel Eligio García ter muitos contactos em lugares remotos. Aquela era a relação de dois seres que passaram muitas dificuldades e Gabo já tinha o livro na cabeça muito antes de o escrever, enfatiza Rubiela Reyes Yáñez.

A boémia

A Torre do Relógio veste-se de amarelo, a muralha por baixo conduz-nos à Praça dos Coches e à nossa frente está o Portal dos Dulces, ainda sem vida, sem os doces de coco, de banana, de tamarindo, de arequipe, sem as melcochas, os diabolinos, os suspiros, as muñecas de leite, sem o coco com ananás ou com goiaba. Pouco passa das sete da manhã e já Ema Peña Aranda vende numa pequena caixa de madeira que se desdobra à vista do cliente rebuçados, caramelos e também cigarros, a 200 pesos a unidade.

"Já na puberdade consumira, por ordem de aparecimento, todos os volumes da Biblioteca Popular que Tránsito Ariza lhe comprava nos livreiros de ocasião do Portal dos Escrivães."

Quem não estiver identificado com a obra do escritor, dificilmente chegará à conclusão de que o Portal dos Escrivães, presente em O Amor nos tempos da cólera, e o Portal dos Dulces são uma e a mesma coisa. "Durante a Colónia, chamou-se o Portal dos Mercaderes. (...) Mais tarde, foi chamado Portal de los Escribanos (...) Há vários anos que se chamava Portal dos Dulces", haveria de reviver, uma vez mais nas suas memórias, o escritor, despertando para a suave recordação do dia em que, deixando para trás Bogotá à pressa, a capital vítima de mais um conflito político, chegou a Cartagena das Índias, sem dinheiro e com fome.

Como se navegasse num eterno arco-íris, caminho ao longo das ruas da cidade que desperta para um novo dia, sem rumo, sem destino, como alguém que, ébrio de contentamento, procura encontrar ao virar da esquina Florentino Ariza.

-Deve ser maricas!

Recortado contra uma parede castanha, um homem de chapéu na cabeça, o típico boltano, parecia-me uma imagem mais forte do que uma mulher que, embora sorridente, nada tinha que a fizesse ser vista como colombiana. E o disparo saiu, espontâneo. Glenys Barrios, cada vez mais sorridente, agora que lhe fizera o retrato, nunca percebeu que eu ouvira aquela difamação que me fazia lembrar, como se de uma sombra se tratasse, Florentino Ariza, visto na cidade como homossexual, pedófilo e até virgem.

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