Fugas - Viagens

  • Sousa Ribeiro
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Colômbia: Na rota do mundo mágico de García Márquez

"A princípio desenhava nas paredes, até que as mulheres da casa protestaram com indignação: a parede e a muralha são o papel da canalha. O meu avô enfureceu-se e mandou pintar de branco uma parede da sua joalharia e comprou-me lápis de cores e mais tarde um estojo de aguarelas para pintar à vontade, enquanto ele fabricava os seus célebres peixinhos de ouro."

-Gabito tinha uma grande capacidade para o desenho.

Num dos aposentos exclusivos do avô, na casa-museu, a poucos quarteirões da Calle 4, onde agora escuto Alfredo Correa Garcia, um comboio multicolorido, umas palmeiras e uma casa cheia de vida recortam uma parede branca, trazendo à memória esses primeiros desenhos.

Rubiela Reyes Yáñez veste uma camisa branca que lhe realça a cor da pele e aqueles olhos diáfanos. "Na verdade, o avô andava com ele para todo o lado, numa rotina diária que agradava a ambos. O coronel alimentava-o não só de histórias mas também de livros. A ele se deve o amor de Gabito à leitura. O dicionário resolvia qualquer inquietude da criança. O avô dizia-lhe que era o único livro que não mentia."

O fumo eleva-se, a senhora da tez olivácea, feliz à sombra da árvore, entrega-se ao trabalho. Do lado oposto, um vendedor ambulante oferece frutas e legumes. Não corre uma brisa.

-Nasci aqui, em frente à casa de Gabito, sempre vivi aqui.

Alfredo Correa Garcia leva-nos de volta ao mundo mágico da infância do escritor agora que a amanhã avança decidida.

-Estudámos juntos, na Escola Montessori. Lembro-me da professora a ensinar as vogais e as consoantes e a estabelecer, com o movimento da língua, a diferença entre o b e o v. Chamava-se Rosa Elena Fergusson e levava Gabito sempre pela mão. O coronel tinha medo de o mandar sozinho. Não confiava.

Uns fiapos de nuvens pintam o céu azul e a bola de fogo queima e faz brilhar aquela cabeça desprovida de cabelo que passa agora à nossa frente e que se assemelha a uma foca ao sol.

A fé

Alfredo Correa Garcia segura a fotografia do amigo com força, com aquelas mãos grandes, como se pretendesse mudar-se para o passado.

-O meu irmão, Luís Carmelo Correa, mandava Gabito para a baliza porque achava que ele não tinha habilidade para marcar golos.

Nas suas memórias, Gabriel García Márquez também viaja por esse tempo e pela amizade e cumplicidade que o ligavam ao irmão mais velho de Alfredo Correa Garcia.

"Começámos a jogar com bolas de trapo e consegui ser um bom guarda-redes, mas quando passámos à bola regulamentar levei uma pancada no estômago com um pontapé tão potente dele que por ali se ficaram as minhas veleidades."

Os botões e o pião eram outros divertimentos no pouco tempo que tinha disponível, entre a escola e os passeios com o avô.

-Sabe que ele foi sacristão?

Na praça principal, onde Alfredo Correa Garcia dá vinte voltas todos os dias, quando ainda nem sequer os galos cantaram anunciando o amanhecer, a igreja de paredes brancas e, aqui e acolá, de vermelho, tem as portas abertas a esta hora. São apenas três os fiéis que erguem as mãos aos céus. Encostada a um dos bancos de madeira, no interior, está uma bicicleta.

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