Fugas - Viagens

  • Sousa Ribeiro
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Colômbia: Na rota do mundo mágico de García Márquez

O quintal, com árvores mas sem o castanheiro de Cem Anos de Solidão, onde estava preso o coronel nos seus tempos em que era já um morto em vida, estende-se até ao quarto dos índios, outra das fontes de inspiração de Gabo. O olhar penetrante de Rubiela Reyes Yáñez desvia-se por um instante fugaz. "Esta era uma casa de portas abertas, que recebia forasteiros e deles escutava Gabito as histórias do que se passava noutros lugares distantes, em Guajira, em Riohacha, em Santa Marta."

A cozinha fazia parte do universo das mulheres e hoje, quando se olha a mesa, absorvendo o fragor cada vez mais intenso das flores que se espalham pela casa, sentimos que há vida, que aqueles animais de caramelo acabaram de ser confeccionados por Tranquilina Iguarán Cotes de Márquez e que alguém os irá vender, depois da sesta, pelas ruas de Aracataca.

Um escritório pessoal e uma ofi cina de ourivesaria, onde o avô passava grande parte do tempo a fabricar peixinhos de ouro, ambos situados logo à entrada, eram compartimentos exclusivos dos homens. Era ao lado do coronel que Gabito se sentia bem e seguro, longe das inquietações e dos temores que as conversas no corredor das begónias lhe provocavam.

O avô

Sentado debaixo de uma amendoeira, plantada em 1982, Alfredo Correa Garcia segura nas mãos sulcadas pelo tempo uma fotografia do escritor ao lado de amigos, entre eles o já falecido Rafael Escalona, o mais mediático compositor de vallenato, género musical da costa das Caraíbas.

-Para o Feio, do seu irmão mais velho, Gabriel.

Uma senhora, com uma tez olivácea, prepara o lume à sombra da árvore que também estende os braços sobre nós. Para trás perdem-se os campos onde vacas pastam indiferentes ao calor.

-O Feio sou eu!

Alfredo Correa Garcia pode orgulhar-se de ser o único amigo de infância de Gabo à face da terra.

-Todos os outros estão mortos. Mas o grande amigo dele era o meu irmão, Luís Carmelo Correa, da mesma idade.

Estava sentado na esplanada do La Mona, mesmo em frente ao edifício do alcaide, quando a senhora Cármen, depois de me ter tentado explicar como chegar à Calle 4, rogou a José Artur Londoño, acabado de chegar na sua motorizada que o ajuda a distribuir os jornais, o favor de me deixar em casa de Alfredo Correa Garcia, que agora tira pela primeira vez o boné que sempre o acompanha.

-Está a ver esta cicatriz?

Gabito, o meu irmão e outros dois amigos estavam em cima de uma cañandonga, uma árvore que dá um fruto muito grande, quando me caíram todos em cima.

A marca indelével espreita por entre os raros cabelos brancos e as memórias desse tempo são testemunhadas por aquela árvore que não deixa entrar o sol. Cheira a flores frescas naquela segunda manhã em Aracataca.

-Gabito era um miúdo demasiado mimado. Andava sempre com o avô por todo o lado. E sempre muito limpo. Todos os dias, ao final da tarde, saíam os dois de mãos dadas e iam passear. Era nessa altura que o Coronel lhe contava as histórias do que havia passado em Guajira, em Barrancas.

Gabriel García Márquez confirma em Viver para contá-la a importância do avô na sua vida. O coronel festejava o aniversário de Gabito todos os meses e era frequente ouvir-lhe dizer, para quem quisesse ouvir, que o pequeno tinha todos os direitos.

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