O parque aquático Wild Wadi, cuja entrada até se faz pela Burj Al Arab Causeway (fica bem ao lado do hotel) hoje está fechado; para oeste, há um muro ocre a encerrar um complexo de hotéis, restaurantes, cafés, mercados e canais, que são os veios comunicantes entre tudo. A arquitectura é tradicional neste Madinat Souk mas a atmosfera é mais de centro comercial do que de souk, não se vive tanto quanto se visita. E são muitos os que o fazem: turistas, mas sobretudo locais, famílias inteiras, os homens de kandura (as longas túnicas) imaculadamente branca, as mulheres de véu e preto integral (não raras vezes adornadas por carteiras Chanel ou Louis Vuitton). Sentam-se nas esplanadas, passeiam pelos corredores do souk, descobrem os jardins repletos de palmeiras e navegam canais e lagos com o Burj Al Arab ao fundo.
Há um iniludível sentimento de fingimento aqui, quase como se fosse um parque temático. Mas é um pouco isso o Dubai. E como as gruas são omnipresentes é frequente sermos tomados pela sensação de estar por detrás do palco, a assistir à construção de um grande e fantasioso cenário. Que por vezes parece assombrado por esqueletos de prédios parados, locais de construção abandonados em crateras - se é verdade que 30 por cento das gruas mundiais estão no Dubai, uma parte está parada, porque a crise também se faz sentir aqui e o boom do mercado da construção é, por estes dias, uma miragem.
Nada que impeça que os projectos floresçam, em papel pelo menos, como cogumelos, cada vez melhores, cada vez maiores. Não sabemos em quanto tempo se deixará de ver espaços em branco no Dubai, onde a área metropolitana ameaça tomar conta de todo o território. Sabemos - e voltamos às fotografias do antes e depois - que a voragem é intensa e a grande Sheikh Zayed Road, que atravessa a cidade, avança no deserto até chegar a Abu Dhabi, exibe-a ad nauseaum. E, por isso, o Dubai também nos parece um organismo vivo, palpitante até ao excesso no seu processo evolutivo, a comer o deserto metro após metro. Cenário e ser vivo são extremos, sabemo-lo, mas é assim que nos resulta a cidade.
No topo do mundo
O paraíso (recreio?) dos arquitectos rodeia-nos por todos os lados e não conseguimos deixar de andar de cabeça no ar, apontada bem ao alto dos arranha-céus para todos os gostos e feitios, dos mais sóbrios aos mais delirantes, como as duas torres azuis e brancas que parecem construções de Lego a desmancharem-se, ou o edifício das telecomunicações que tem uma bola de golfe como cúpula (e antena). É, no entanto, incontornável a tendência para o kitsch, nas formas e acabamentos, que não se limita a, por exemplo, um pastiche da cúpula do Chrysler Building (em azul) ou aos mastodontes dourados e azuis - pode ser também uma minipirâmide defronte de um stand Hyundai e já estamos em espécies de periferias em plena cidade, feitas de armazéns e grandes concessionários, nos bordos de vias rápidas que, com pontes e viadutos, ligam as clareiras futuristas.
Percorremos as avenidas sobre rodas e não se vê vivalma a caminhar. Alguns edifícios não têm indícios de ocupação; no resto, a verdade é que tudo é em dimensão sobre-humana, feita para homens dentro de máquinas - claro que o calor também contribui para a ausência de pessoas nas ruas, mas isso não será problema no velho Dubai. Já o desvendaremos. Estamos no futuro e as estações do metro parecem a materialização de um qualquer filme de ficção científica, sobretudo quando as podemos ver ao longe, como as cápsulas gigantescas que são. Lá dentro, passeamos em mármores em ambiente irrepreensivelmente refrigerado (até as paragens do autocarro o são), mesmo quando a plataforma é à superfície (como acontece em boa porção do percurso), e o metro parece estar sempre em dia de inauguração (atenção às pastilhas elásticas, são proibidas, informa o fiscal).