Regresso às origens
Abstraímo-nos do Dubai que cresce para o céu quando circulamos na vizinha Jumeirah Road, longa rua que corre paralela à praia, mas raramente a deixa ver. Vemos as mesquitas, que surgem em intervalos regulares, 500 metros no máximo, explica o guia, Schalke, para que todas as pessoas tenham local para descansar das altas temperaturas. Claro que agora há pouca gente a transitar a pé e à Mesquita Jumeirah, uma das mais grandiosas, inaugurada em 1987, chegam de carros de alta cilindrada. No minarete soam os altifalantes, na mesquita entra uma rapariga de saia de ganga comprida, véu e óculos de sol. À volta, um amontoado de hotéis e lojas de rua sem charme e até um Friday's, cadeia norte-americana conhecida pelas generosas happy hours.
Jumeirah é uma das zonas mais caras dos EAU - o aluguer anual de uma casa pode chegar aos 250 mil dólares - e a beira-mar está assaltada por resorts de luxo, como o Palm Jumeirah, que escondem areias brancas e mar turquesa. Há também praias "públicas" - entrada: cinco dirhams - que à segunda-feira são apenas femininas e onde até se vêem biquínis, contam-nos. É nesta órbita que o arquipélago artificial The World, "o mundo", começou a ser construído e já começou a afundar, com a crise. Dos responsáveis vem a garantia de que o projecto, previsto para se desenvolver em dez anos, apenas abrandou...
Em Majlis Ghorfat Um Al Sheef, o tempo não se limitou a abrandar. Cristalizou numa época que, por esta altura já não nos surpreendemos, não é tão longínqua quanto o olhar incauto poderia pensar ao confrontar-se com o complexo de edifícios rústicos. A casa de Verão do xeque Rashid bin Saeed al-Maktoum, comummente apontado como o pai do Dubai moderno, foi erigida em 1955 em Jumeirah, "longe" do Creek onde a cidade velha, a desses tempos, se concentra. Os jardins estão secos, porém já foram reluzentes, alimentados por um sistema de irrigação primitivo mas eficaz - como a "torre de vento" que aqui vemos, ainda a utilizar folhas de palmeira. O edifício principal está quase despido mas o terraço no topo oferece uma vista privilegiada sobre a cidade - atentamos num edifício branco, redondo, dimensões reduzidas para o Dubai de hoje, mas dele simbólico: Dar Al Ittihad, "casa da união", onde foi assinado o tratado fundador dos EAU.
A cidade pré-petróleo, pré-EAU sobrevive junto do Creek e aí, finalmente, encontramos ruas buliçosas e souks que não são centros comerciais. Não seria, contudo, o Dubai se não houvesse uma certa teatralidade. No distrito de Bastakyia, Bur Dubai encostado à água, encontramos tudo: é o Dubai antigo, autêntico e encenado - e esse é também o Dubai moderno.
Nas praças, o futebol é o desporto de eleição (vimos um "Cristiano Ronaldo"), nas margens do canal há dhows feitos restaurantes e bares de um lado e de mercadorias de outro - continuam a fazer viagens pelo Golfo Pérsico e até à Índia, Somália. Há relvados cuidadosamente tratados, flores a compor canteiros que parecem tapeçarias de cores saturadas, palmeiras por todo o lado a acompanhar o curso de água - no sentido oposto, na zona dos palácios reais, veremos verdadeiros parques e até flamingos numa reserva entrevista da rua.