José Lourenço está nestas paragens há 30 anos e fechou a empresa que tinha antes e abriu o BarZeco e quer abrir um parque de campismo "o mais ecológico possível" nas redondezas (o que, a acontecer, vem responder a uma procura crescente, sublinha Apolónia). O negócio melhora de ano para o ano, mas, brinca, " isto é o Alentejo, tudo leva o seu tempo". Muitos portugueses, espanhóis, alemães e, este ano, franceses. Gosta de ver o seu bar como uma sala de visitas que instiga a estadias mais demoradas: durante o dia apetece dormir, à noite flutuar no Dark Sky estrelado. Com ou sem ajudas - aqui não há telescópios, mas já se improvisaram observações recorrendo a "equipamento" improvável que ajuda a usufruir do melhor trunfo do local, a localização "remota".
Que não haja ilusões, as distâncias por aqui podem ser curtas na teoria, mas no terreno, entre curvas e mais curvas, leva-se mais tempo do que supomos. Tanto que nos atrasámos para a canoagem. O dia continua a desaparecer entre os horizontes de montes e planícies e braços de água indisciplinados, mas quando chegamos à beira do Guadiana, em Moura, já se apagou totalmente - só vemos as caras dos nossos companheiros de jornada no final, em torno de uma ceia à beira-água e iluminação rudimentar.
É uma descida nocturna que normalmente ainda começa com luz. Hoje não. Mas como acontece nestas coisas de Dark Sky, como nos aconteceu na noite anterior, o que primeiro nos parece uma noite escura afinal revela-se uma noite carregada de luzes - basta que os olhos se habituem para as descobrirmos. E quanto mais tempo passa, mais luzes se acendem no céu. Porém, quando deixamos o Cais do Fragal - os antigos moinhos da barca, como é conhecido entre as gentes da terra "por ser o ponto onde antigamente a barca que transportava os automóveis" atravessava o Guadiana, explica Francisco Guerreiro, da organização - é apenas de vultos que se faz a paisagem.
Antes, uma breve explicação de como remar com uma pagaia; depois, já com os coletes salva-vidas vestidos, fazemo-nos à água para três horas de percurso, cerca de 15 quilómetros. O grupo é grande, as canoas levam duas pessoas. Ninguém se perde, mas o percurso não é linear. Voltamos à direita para entrar no rio Ardila; se seguíssemos em frente iríamos ter à barragem do Alqueva.
Sem pressas, entramos noite dentro e graças a Francisco Guerreiro descortinamos as óbvias Ursa Maior e Menor, Cassiopeia e a Estrela Polar e ensaiamos localizá-las recorrendo a alinhamentos e técnicas de exploração básicas ao som dos remos a fender as águas ou dos pássaros e grilos que vamos ouvindo. Quando a lua está cheia, contam-nos, não se vêm tantas estrelas, mas a paisagem ganha contornos feéricos de cor branca. O ritmo do passeio é tão calmo que permite paragens completas, em que estamos só nós e todas as estrelas que conseguimos abarcar; no resto do tempo, dependemos da nossa coordenação para as ver enquanto remamos.
A passagem por Moura ilumina a terra e obscurece o céu. Mas não dura muito, esta espécie de eclipse estelar: voltamos aos caminhos de silhuetas de árvores, ruínas e até pelos antigos pilares de uma ponte passamos. Ultrapassados os antigos moinhos, hoje habitat de morcegos, a chegada faz-se depois da ponte sobre o rio Ardila, que já foi caprichoso ao ponto de quase não correr e agora é disciplinado pelo Alqueva. Sair da canoa não é tarefa fácil, porém sejamos pragmáticos, a água já nos colou a roupa ao corpo. E, além do mais, a ceia espera-nos e inclui uma sopa quente. Tão quente como nos parece o tapete de estrelas do qual já não conseguimos tirar os olhos.