O trabalho no geral resume-se ainda, em muitas zonas de Marrocos, a negócios familiares. Todos participam. Como na tangerina "rua dos alfaiates": as crianças brincam a subir e a descer escadinhas enquanto vão manuseando uma pequena máquina de fiar e enrolando as linhas em grandes cartuchos de papelão; os homens, de agulha e dedal, confinados a pequeníssimos espaços e de porta aberta para quem queira espreitar, alinhavam, fazem bainhas, pregam botões; as mulheres, em local mais reservado, bordam os tecidos que mais tarde se verão pendurados pelas centenas de bancas de têxteis. É nesta rua onde, de acordo com o nosso guia em Tânger, se podem encontrar os únicos teares da medina.
Numa ampla loja, dois homens, cada qual no seu tear, vão produzindo panos coloridos: os seus pés nus, sob o tear de pente liço em madeira, movem-se em simultâneo, pisando duas velhas tábuas alternadamente; as suas mãos, que agarram as navetes, vão trocando os fios, finíssimos, e alinhando-os uns contra os outros. Em conjunto, parecem executar uma dança. E os sons que provêm do bater nas tábuas depressa se transformam numa composição melódica. "É feito de pele de camelo", diz-nos o comerciante, enquanto nos deposita nas mãos um dos milhares de lenços que habitam as prateleiras. "Macio, não é? Podem tocar, não precisam comprar", assegura. Suave, executado de forma artesanal e, claro, entre os mais caros: 20€ que, "só por serem de Portugal", depressa se converteram em 15€ e logo a seguir em 10€. O regateio é quase uma fé. Todas as coisas têm um valor diferente para cada pessoa e, desde que quem venda esteja a ganhar dinheiro, por menos que seja, consegue-se (quase) sempre negócio.
Azul Fez, azul Chefchaouen
Lê-se pelas várias descrições da cidade e pelas bíblias dos viajantes que Fez é a cidade azul. E a verdade é que a cor é uma presença constante pelos edifícios, pelas decorações. Mas depois de um verdadeiro banho de azul em Chefchaouen é difícil ver Fez nessas tonalidades. Isto, apesar de a cidade no meio das montanhas do Rif já não ser uma única mancha azul. O crescimento levou os edifícios fora do centro histórico a pintarem-se de branco. Já as casinhas que emolduram as ruas estreitas e muito íngremes de Chefchaouen continuam a ser todas caiadas a branco e pintadas a azul. Um azul-turquesa. A escolha da palete não é à toa: a cal e o azul servem essencialmente como repelentes. E, para quem chega pela primeira vez, a cor fria serve também de relaxante.
Caminhar pelas ruas pequeníssimas de Chefchaouen (em algumas passa só uma pessoa de cada vez) não é, estranhamente, claustrofóbico. Até porque os habitantes com os quais nos vamos cruzando, talvez suavizados por um turismo tranquilo, revelam-se diferentes dos que encontrámos noutras cidades marroquinas por onde já passámos. Os sorrisos abrem-se, as crianças metem conversa animada - perguntam-nos o nome, riem-se enquanto passam por nós a correr, dizem-nos os seus nomes -, os turistas vivenciam a cidade de forma serena, ocupando as esplanadas dos belíssimos cafés e restaurantes, enquanto pelas várias bancas montadas ninguém nos exige atenção. As compras são feitas sem atropelos. É como se se passasse de um supermercado low cost que se observou na medina de Tânger para uma loja gourmet.