Por isso, deixamo-nos levar pela sua proposta: ir até ao verde minarete andaluz que se avista de todo o lado, mas junto ao qual ainda não tínhamos conseguido chegar. É a caminhar, a passo bem apressado, atrás deste jovem que por fim se compreende como é fácil alguém se perder: tão depressa se está a subir como a descer; depois vira-se à direita... não! À esquerda. E, quando menos se espera, percorrem-se estreitos túneis pelos quais não se vislumbra sequer um pequeno raio de luz. Nestas andanças, por vezes, um frio tende a apoderar-se da barriga. Mas logo se desvanece quando se sai da escuridão para se ser recebido pela imagem de um menino nos seus 4 anos a brincar com um novelo de lã e um gatinho bebé. Até que já estamos no bairro andaluz e o minarete que nos acompanhava há dois dias deixou de ser inatingível como parecia. "Aqui", diz-nos o guia improvisado enquanto aponta para a torre verde.
Vermelho Marraquexe
Atravessar o Atlas é atravessar mundos, com passagem obrigatória em Ifrane, estância de esqui marroquina no Médio Atlas cuja organização, limpeza e arrumação nos faz questionar se não acabámos de aterrar nos Alpes suíços. A sensação é estranha. Mas mais estranho ainda é prosseguir viagem e sentirmo-nos a atravessar uma fronteira invisível.
Abandonamos cada vez mais uma paisagem que se inspira no Mediterrâneo - e que tantas vezes me deu a sensação de ainda estar a percorrer quilómetros pela Península Ibérica - e enveredamos por terrenos cada vez mais áridos, lembrando, com saudade, o deserto. Os olivais são substituídos por áreas enormes cheias de cactos (uma espécie dos quais carregadinha de figos-da-índia) e as lixeiras a céu aberto, entre as quais predomina o plástico, tornam-se um problema cada vez mais evidente à medida que se viaja para sul. Já a terra do solo que pisamos perdeu os seus tons castanhos e dourados. A partir de um determinado momento, assume uma forte tonalidade vermelha-ocre, servindo de aviso para a proximidade de Marraquexe, a cidade vermelha e uma meca do turismo no país.
Antes, outras localidades mostram-nos como já estamos longe da europeia Tânger. Por algumas, mais pequenas, vêem-se aldeões dedicados à agricultura e à pastorícia; noutras, um pouco maiores, os afazeres diários e as compras de fim de dia num mercado contrastam com momentos de puro lazer - brinca-se ao ar livre, joga-se futebol (a modalidade parece invadir tudo aos domingos: descampados, jardins, ruas...). E, claro, corre-se em direcção aos turistas quando estes curiosos (nós) aparecem. Os mais pequenos pedem cadeaux (presentes). Lembro-me subitamente da mulher a trabalhar no balcão de pagamento nos curtumes: pela oferta de alguns porta-chaves recusou o meu "choukran" e apontou-me para a caneta que segurava. Oferecia-a e ela fez-me sinal de que estávamos quites. Ou seja, os cadeaux são mais que isso. São retribuições. Aqui, o mesmo se passa. Depois de registados os momentos em fotografia, as crianças apenas pedem algo de volta. Das malas dos companheiros de viagem saltam canetas e até um apito para alegria dos pequenotes.