Em Chefchaouen parece haver tempo para tudo. Até para ir convidando quem passa a admirar as telas em exposição e, ao mesmo tempo, beber um chá (sempre de hortelã e a ferver - uma das recomendações ao viajante em Marrocos é nunca beber água da torneira nem aceitar água que não tenha sido fervida antes). Foi assim que me cruzei com Mohsin Ngadi, pintor que há 15 anos trocou Imilchil, nas montanhas do Atlas, a 2119m acima do nível do mar, por esta amena e pacata localidade. Mas mais que a simpática oferta do chá, foi o seu pequeno e afável cão, numa terra de gatos, que me levou a entrar e a conhecer o seu trabalho. É então que as telas roubam o protagonismo ao animal. O mesmo acontece a dois espanhóis, fotógrafos, que se revelam extasiados pelo "jogo de luz e sombras" nas visões do deserto que forram as paredes.
Mohsin não tem preços marcados, como acontece quase por toda a parte. "Ou gostas de um dos meus quadros e o queres levar, e então podemos falar sobre preços. Ou não queres levar nenhum e então não vale a pena falarmos de preços." É com esta premissa que chegamos, após quilómetros ao longo dos quais o horizonte se vai abrindo e a paisagem vai alternando entre floresta cerrada, paragens secas ou olivais a perder de vista, a Fez, capital espiritual, artesanal, cultural. Mas também casa de uma das maiores medinas: 15km de muralhas, 360ha de área e 30km ou 9400 ruas, pelas quais é evidente o trabalho de restauro de, dizem-nos, "muitos portugueses e espanhóis".
Mas nesta, dizem, azul Fez (há até um azul que se designa com o nome da cidade) não é só durante o dia que se pode viver a cidade. À noite, os cafés fazem as vezes dos bares. E é sempre possível procurar uma discoteca. Quanto a nós, só as encontrámos no interior dos hotéis. Numa exigiam consumo mínimo; noutra, acabariam por nos deixar entrar após difíceis negociações. DJ a debitar sonoridades saídas de outras décadas, num bizarro eclectismo que não se coibiu de alternar Lionel Richie com alguma música da moda; raparigas à volta do telemóvel junto ao balcão; seguranças em cada canto. Homens que vão entrando e saindo. Mas absolutamente ninguém a dançar. A noite termina, assim, cedo. Até porque o dia iniciar-se-ia muito prematuramente.
Perdidos em Fez
Era suposto acordar-se com Fez aos pés, tirando partido dos miradouros que são as janelas dos quartos do hotel onde ficámos. Mas, em vez disso, o nevoeiro decidiu brincar connosco e envolver a cidade numa aura de mistério. Nada que não pudesse ser aproveitado pelo nosso guia. Idriss é carismático e, com o à-vontade de um familiar longínquo, prende-nos a atenção. Chama-nos de "família" e, como uma, tenta-nos manter unidos. Tudo para que ninguém se perca: "Se virem por aí uns olhos azuis ou verdes pendurados, foram uns turistas que se perderam". Nada a temer. Idriss é brincalhão q.b.. Além do mais, move-se como se estivesse em casa. "Moro apenas a umas ruas de distância; é aqui que faço todas as minhas compras", conta-nos, enquanto paga a carne que a sua mãe fora buscar mais cedo. "A palavra de uma mãe vale mais que ouro."