Fugas - Viagens

  • Museu Nacional
    Museu Nacional Ricardo Moraes/Reuters
  • Detalhe do Congresso Nacional do Brasil
    Detalhe do Congresso Nacional do Brasil Roberto Jayme/Reuters
  • A Justiça, estátua no Supremo Tribunal de Justiça
    A Justiça, estátua no Supremo Tribunal de Justiça Ricardo Moraes/Reuters
  • Congresso Nacional do Brasil
    Congresso Nacional do Brasil Ricardo Moraes/Reuters
  • Congresso Nacional do Brasil
    Congresso Nacional do Brasil Ricardo Moraes/Reuters
  • Ponte Juscelino Kubitschek
    Ponte Juscelino Kubitschek Ueslei Marcelino/Reuters
  • A Brasília em jardim
    A Brasília em jardim Jamil Bittar/Reuters

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Brasília: Morar nesta cidade inventada é "coisa boa"

"Gosto de pôr as mãos na terra e ver que dá baunilha-do-cerrado, gabiroba, cajuzinho do mato, umbu", admite o chef dinamarquês, que hoje conhece melhor os produtos do país do que muitos brasileiros. Um país que percorreu em 1986, quando viajava de bicicleta com um amigo pela América do Sul e foi de Caracas ao Rio de Janeiro. Hoje tem uma família brasileira e uma fazenda com quase 200 anos em Vila Boa de Goiás, "cidade de portugueses" e que, até ao século XX, era uma das mais importantes do estado.

No Aquavit o design nórdico de cadeiras e candeeiros misturava-se com o brasileiro, tal como na cozinha a tradição do Norte da Europa se fundia com a do Brasil, fosse a da Baía, fosse a do Nordeste e a do Centro-Oeste, a que Simon Lau vai buscar, por exemplo, o milho e o pequi, um dos frutos-alma do cerrado. "É preciso estar atento ao que cada época dá e trabalhar a partir daí." A cozinha é como um laboratório onde gosta de experimentar os ingredientes desta região que continua a descobrir. Deixa-se levar pelas cores e pelos cheiros, como o da baunilha, cujas "favas gordas e perfumadas" guarda cobertas de açúcar em caixas compridas. Compra-a na fazenda a um homem que um dia lhe bateu à porta durante a Semana Santa e que a colhe no mato, sem nunca lhe ter mostrado onde. Simon Lau diz que estas favas são um "mistério precioso", como precioso é viver em Brasília, apesar das burocracias.

"Brasília não é uma cidade-museu nem é só burocracia, é um lugar para viver", diz Juan Luis Hermida, um uruguaio generoso que chegou há 17 anos depois de ter vivido na Argentina e nos Estados Unidos, e que trabalha hoje como intérprete e guia especializado em arquitectura e património. Elogia a obra de Niemeyer a cada esquina, como não poderia deixar de ser, mas é ainda mais efusivo quando fala do paisagista Roberto Burle Marx ou do pintor e escultor Athos Bulcão, os dois muito presentes nos parques, jardins e edifícios públicos.

É Bulcão o autor dos azulejos alados da Igrejinha de Niemeyer (que em rigor se chama Igreja de Nossa Senhora de Fátima, inaugurada em 1958) e dos painéis atraentes - e lúdicos - dos vários salões do Congresso Nacional. Burle Marx criou o jardim do Ministério do Exército e o do das Relações Exteriores (que funciona no Itamaraty), e muitos dos espaços verdes entre os edifícios de habitação da Asa Sul.

"É claro que é importante vir ver a Praça dos Três Poderes, com as colunas elegantes do Palácio do Planalto [sede da presidência e, por isso, do poder executivo] e do [Supremo] Tribunal Federal [judicial], com as torres do Congresso Nacional [legislativo], mas Brasília também se faz nas quadras. Também acontece aí", acrescenta o guia de 52 anos, devoto da culinária, que começou a cozinhar ainda adolescente e chegou a explorar o restaurante da embaixada americana da cidade. Cada bairro, continua, é uma "cápsula para o dia-a-dia", como se os grandes edifícios públicos ficassem noutra galáxia.

Uma cidade-parque

É impossível andar por Brasília de carro ou a pé - no Eixo Monumental caminhar torna-se difícil porque muitas vezes são grandes as distâncias entre os edifícios a visitar - sem sentir que o seu traçado saiu directamente da mão do urbanista para o terreno, como dizia o dono da banca de jornais da 108. A estrutura em cruz só aparentemente é simples e Lúcio Costa explica-a detalhadamente no Relatório do Plano Piloto de Brasília. "Cidade planeada para o trabalho ordenado e eficiente, mas ao mesmo tempo cidade viva e aprazível, própria ao devaneio e à especulação intelectual, capaz de tornar-se, com o tempo, além de centro de governo e administração, num foco de cultura dos mais lúdicos e sensíveis do país", escreveu o arquitecto e urbanista, que escolheu cuidadosamente o lugar que cada equipamento deveria ocupar.

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