Para além das três escalas (a residencial, a monumental e a gregária) há uma quarta, em relação à qual Gorovitz é particularmente crítico - a bucólica. Em 1956, lembra, dos 26 projectos a concurso para a nova capital apenas o de Costa deixava quase intocadas as margens do Paranoá, o grande lago artificial.
O urbanista contava com o lago para dar à cidade a dimensão natural que está presente em cada um. E é essa atenção às várias dimensões do indivíduo que cria a versão brasileira do modernismo que se pode encontrar em Brasília: "Lúcio vai buscar a Le Corbusier [precursor do movimento modernista na arquitectura ] a ideia da cidade-jardim e da sectorização do espaço tendo em conta as funções que lhe são destinadas, mas a escala que usa para o dividir é diferente, é a do carácter do ser humano, não depende só de aspectos práticos."
Se lhe perguntamos se Brasília resultou como projecto de cidadania, o arquitecto é claro: "Infelizmente, não. O Brasil tem dificuldade em separar o público e o privado. É isso que se passa, por exemplo, nas superquadras." Gorovitz refere-se aos comerciantes das áreas residenciais que alargaram as suas lojas ocupando espaços públicos e aos gradeamentos que por vezes rodeiam os pilotis que sustentam grande parte dos edifícios, tornando privadas áreas de circulação que deviam estar acessíveis a todos. "O seu carácter cosmopolita, que era muito evidente na área de residência, tem-se perdido. Brasília tornou-se mais provinciana."
A maioria dos turistas que a cidade recebe é nacional. No congresso ou na catedral, há sempre grupos de crianças e famílias brasileiras. Entre os estrangeiros, são os franceses, holandeses e belgas os que mais a visitam. Os nacionais procuram a "cidade inventada" e os edifícios ligados ao governo; os restantes uma aula de arquitectura, diz Juan Hermida, o guia uruguaio: "Querem ver o modernismo tropical." Fazem fila nos principais monumentos, contratam guias, tiram fotografias sem parar e querem saber em que dias trabalham os deputados no congresso.
Um acto de vontade
Parte do quotidiano de Brasília passa ao lado dos turistas que não falam português porque lhes é difícil participarem naquele que parece ser um desporto do distrito federal - discutir política (é praticamente impossível andar pela cidade sem pensar nela, seja pelos protestos diários, seja pelo trânsito infernal que faz lembrar o aumento dos transportes que ateou boa parte das manifestações de Junho).
Nos cafés e esplanadas, estudantes discutem, indignados, o plebiscito que a Presidente Dilma Rousseff propôs sobre a reforma política, em resposta ao levantamento popular deste Verão. Dizem que é demasiado complexo para que a maioria dos eleitores o compreenda e garantem que se torna difícil continuar a "acreditar" no Brasil.
Para o arquitecto Matheus Gorovitz os políticos parecem esquecer "que falta de esperança é assunto sério". Lúcio Costa, acrescenta, ficaria surpreso. Era um optimista incorrigível e costumava dizer que o Brasil não nascera com vocação para a mediocridade.