O Eixo Monumental é marcado pela Praça dos Três Poderes, a Esplanada dos Ministérios (à data eram 17, hoje são 40) e a Catedral Metropolitana, todos edifícios emblemáticos de Niemeyer. Nele estão também instalados os sectores financeiro e comercial, e a Leste o sector cultural, com bibliotecas, teatros e museus.
Ao longo do "eixão" - é assim que Brasília se refere ao seu Eixo Rodoviário - organiza-se o sector residencial, com as suas quadras e superquadras, com muralhas verdes (Costa só previu divisões de vegetação), lojas e restaurantes, escolas, campos de jogos, pequenas bibliotecas e salas de cinema. As margens do Lago Paranoá, que o urbanista gostaria que tivessem ficado livres, estão hoje praticamente todas privatizadas, com dois sectores de moradias (Lago Norte e Lago Sul). Os pontos cardeais orientam toda a leitura de Brasília e são fundamentais na hora de designar uma área ou de dar a morada a alguém. A morada, essa, acaba sempre por ser uma sucessão de siglas com números e letras e compreendê-la parece à partida tarefa impossível.
Carolina Dal Ben Padua, uma arquitecta de 33 anos que viveu na cidade entre 2006 e 2009, trabalhando para o instituto do património brasileiro, o IPHAN, adaptou-se depressa à capital, que diz ter "uma qualidade de vida excelente". Rejeita a ideia de que Brasília seja apenas um "palco do poder" e garante que há nela uma escala humana que, para quem fica pouco tempo, pode ser difícil de reconhecer: "A monumental sobrepõe-se a ela, principalmente porque foi projectada para o automóvel. Mas, quando se pensa na superquadra, a escala é absolutamente do pedestre."
Para Padua, o morador de Brasília não sente a separação entre o monumental e o quotidiano. "Brasília é uma cidade diferente de todas as outras - e devemos aprender a entendê-la dessa forma, sem comparar com uma cidade comum", defende a arquitecta. "É uma cidade dentro de um parque e essa é a sua principal característica."
E esse "parque" sente-se, sobretudo, nas margens do lago e nas zonas de habitação, com os seus blocos de seis andares (no máximo) assentes em pilotis, tão característicos do modernismo. Aí, como nos grandes edifícios do Eixo Monumental, parece que a arquitectura desafia a engenharia e que, em resposta, a engenharia cria soluções para que a arquitectura possa enlouquecer (ou quase).
Desejo de harmonia
Devia constar de qualquer roteiro turístico da cidade um passeio entre os edifícios da Asa Sul, suspensos em colunas de betão para garantir aos pedestres "o uso livre do chão", escreveu Costa no seu relatório.
Matheus Gorovitz, arquitecto e professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), estudou a fundo o relatório do urbanista e viveu na cidade quatro décadas, antes de se fixar no Rio de Janeiro. Sente saudades da superquadra, embora tenha um olhar desencantado sobre a forma como a cidade evoluiu, sobretudo nas margens do Paranoá, que deveriam ter funcionado como "memória da paisagem".
Gorovitz, 75 anos, chegou a Brasília em 1973, depois de viver em Israel, Inglaterra e França, para trabalhar como arquitecto e dar aulas, sobretudo de Estética do Projecto e de História da Arte e da Arquitectura. Começou por morar num hotel, construindo em seguida uma casa no lago Norte. Daí mudou-se para um condomínio de habitações geminadas e, por fim, escolheu um apartamento numa das superquadras de Lúcio Costa, onde passou a viver com a família. "Na superquadra a qualidade de vida é insuperável quando comparada com a de qualquer outro lugar em Brasília", defende. O professor estava a 15 minutos do trabalho, vivia numa cidade despoluída, tinha o banco, as lojas e o correio à sua porta, assim como um cinema e uma biblioteca à distância de um passeio breve. "E com jardins imensos em que não precisava de cortar a grama. Tudo era feito sem que eu tivesse de cuidar."