Fugas - Viagens

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Guatemala: A história singular dos garifuna numa viagem pela 'terra de Deus'


O desterro em Roatán 

São Vicente e as ilhas vizinhas convertem-se, de forma gradual, em zonas estratégicas para um eventual controlo do território e o avanço dos ingleses sobre estas é iminente. Os anos que se seguem ficam marcados pela rivalidade entre franceses e ingleses, uma guerra sem tréguas em que os garifuna, apoiando os primeiros, impõem, numa fase inicial, sucessivas humilhações aos segundos. As hostilidades chegaram ao fim após um ano caracterizado pelo que se denominou guerra de exaustão, culminando com o ataque inglês, levado a cabo por 4000 homens, que conduziu à rendição dos garifuna. Mas nem assim diminuíram os receios dos novos colonizadores, fortemente alicerçados no elevado número de negros a viver na ilha. A solução passava por transformá-los em filhos do desterro. Os números do êxodo são pouco claros mas suspeita-se que, no dia 2 de Fevereiro de 1797, nove navios deixaram São Vicente carregados com mais de cinco mil homens, muitos dos quais pereceram após uma longa e penosa travessia que os levou até Roatán (desde 1742 uma colónia britânica), na Baía das Honduras, onde não desembarcaram mais de 2500.

“São Vicente era o nosso território, os brancos expulsaram-nos dali, por isso navegámos de costa em costa, procurando os nossos irmãos gariganu (como também são conhecidos os garifuna).”

Ainda hoje, sempre que o dia é de festa, barcos carregando orgulhosos garifuna entoam cânticos como este, que remetem para as suas origens, bandeiras ufanando ao vento, uma manifestação religiosa e, ao mesmo tempo, patriótica de quem preserva raízes há muito semeadas. 

No início do século XIX, a América Central vive de novo ensombrada pelo fantasma da guerra, Espanha e Inglaterra lutando pelo domínio da costa. Em Roatán, as terras eram difíceis de cultivar e os garifuna, temendo pela sua sobrevivência, intercedem junto dos espanhóis para que os conduzam a Trujillo (principal forte de defesa na costa hondurenha), um pedido que os colonizadores aceitam mais por interesse do que por compaixão. Em mente, a ocupação pacífica de Roatán mas também a garantia de mão-de-obra para os trabalhos agrícolas, a incorporação de alguns deles no exército e a sua utilização em missões de espionagem, facilitada pelo facto de muitos garifuna se dedicarem ao contrabando.

O barqueiro parece adormecido ou vivendo apenas no encantamento provocado pelo cenário magnificente. O barco, sem pressas, penetra numa imponente garganta, a Cueva de la Vaca. Shijada Franzua permanece desperta.

- Nefu é nove.

É em Trujillo que a tribo se solidifica, criando uma identidade linguística muito forte mas, a despeito da presença de colonos negros, a população garifuna apenas se integra com um grupo de haitianos que chega a Trujillo mais ou menos na mesma altura. Uma integração que resulta em alguns casamentos e que acentua a presença do francês crioulo na língua destes valorosos guerreiros. Mas, uma vez mais por dificuldades de subsistência, cinco anos após a chegada a Trujillo, os garifuna começam a dispersar-se pelas zonas costeiras da América Central. Um dos lugares onde assentaram foi na baía de Amatique, no Departamento de Izabal, fundando a comunidade de La Buga, que mais tarde se tornará Livingston. E, já no início do século passado, quando mais de 100 empresas iniciaram a exploração do rentável negócio de exportação de bananas, fortemente implantado em Livingston e Puerto Barrios, o número de garifuna a viver em Izabal – bem como em outras cidades ao longo da costa, da Nicarágua às Honduras, passando pelo Belize – aumentou exponencialmente, registando uma diminuição acentuada quando, já na segunda metade do século, se instalou uma grave crise económica que levou elevada percentagem à procura do sonho americano (a população garifuna a residir nos Estados Unidos ronda os 100 mil e em toda a América Central os 300 mil).

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