Fugas - Viagens

  • Budva é um lugar emblemático do turismo de sol e praia, com uma vida nocturna que parece não ter fim; por seu lado
    Budva é um lugar emblemático do turismo de sol e praia, com uma vida nocturna que parece não ter fim; por seu lado STEVO VASILJEVIC/REUTERS
  • Sveti Stefan, com as suas casinhas de pedra pequenas e arranjadinhas, poderia servir de cenário para as Viagens de Gulliver
    Sveti Stefan, com as suas casinhas de pedra pequenas e arranjadinhas, poderia servir de cenário para as Viagens de Gulliver STEVO VASILJEVIC/REUTERS
  • Crna Gora
    Crna Gora ALAN COPSON/REUTERS
  • Kotor
    Kotor
  • Perast, na base da colina de Santo Elias, e com as suas casas ancoradas na baía, é o perfeito postal ilustrado; em baixo, nova perspectiva de Crna Gora
    Perast, na base da colina de Santo Elias, e com as suas casas ancoradas na baía, é o perfeito postal ilustrado; em baixo, nova perspectiva de Crna Gora ALAN COPSON/REUTERS

Tantas e tão desconhecidas são as jóias do Montenegro

Por Sousa Ribeiro

De Perast a Budva, de Kotor a Sveti Stefan, ao longo do Adriático, sem ignorar o interior, a antiga capital, Cetinje, e o Mosteiro de Ostrogh, este estado tão jovem da Europa, com uma área tão exígua e uma população que cabe toda em Lisboa, é o exemplo mais flagrante de que o tamanho não importa.

O agente rodeava o carro, como se o cheirasse, perscrutando aqui e ali, embora deixasse no ar a ideia de que não lhe haveria de faltar um motivo para aplicar uma sanção, mesmo antes de o abarcar com o olhar.
- Dobro jutro.
- E, eu, dando os bons-dias, respondi:
- Dobro jutro.
No rosto, uma expressão sisuda.
- Temos de o multar…
- Por que razão?
- Falta-lhe o dístico do país de aluguer da viatura.
Não respondi mas amaldiçoei o maldito autocolante que deveria contemplar as letras HR, de Hrvatska, da Croácia, e mais ainda o esquema tão ridículo e mesquinho que ameaçava estragar-me um dia que nascera tão radioso. Pedi um momento e, entrando no carro, procurei o telemóvel. Recordara-me de ver, há já muitos anos, num jogo entre o Benfica e o Sporting, o defesa-esquerdo dos leões, Budimir Vujacic, com um chapéu de polícia na cabeça, festejando de forma efusiva o golo que Amunike acabara de marcar. Eu tinha o número de telemóvel do antigo futebolista montenegrino, que não demorou a atender e a pedir-me, sem demoras, que passasse o aparelho a um dos agentes.

Se o tempo é dinheiro, teria sido preferível pagar a multa, mas a repentina boa disposição daqueles dois homens fardados, abordando um tema que lhes era tão grato, ora colocando questões, ora emitindo a sua opinião sobre a realidade do futebol português, inebriou-me com uma energia de tal forma positiva que, ao despedir-me, estreitando as mãos dos agentes, sentia que nenhum obstáculo me poderia deter para desfrutar os encantos de um país estranhamente tão ausente dos radares turísticos.

- Dovidjenja.
E eles, em coro, responderam:
- Dovidjenja.

Materializado o adeus, de novo instalado no carro, olhei pelo retrovisor e avistei, ao fundo, no final de uma recta, uma viatura aproximando-se e, desviando o olhar para os agentes, apercebi-me da sua inquietação através de movimentos rápidos que terminaram com a ordem para o carro encostar na berma da estrada. E, desfazendo uma curva, nada mais vi porque tudo queria ver, deixando que em todo o meu ser se instalasse uma ansiedade eufórica que apenas se atenuou quando, subitamente, Perast, banhada por um céu azul-cobalto, se perfilou no meu horizonte. A cidade, com as suas casas ancoradas na baía, na base da colina de Santo Elias, parecia estar ao alcance da mão mas a estrada teimava em serpentear pela margem, como se Perast brincasse às escondidas comigo ou como se pretendesse manter-se oculta dos olhares que lhe lançava.

A melancolia das memórias

Reina a calma, apenas o bulício de um ou outro pescador e os gritos dos meninos que jogam à bola no adro da igreja de São Marcos, em plena Praça Velha, fintando-se a eles próprios e a um conjunto de estátuas em bronze que ornamentam o recinto empedrado, quebram aquele silêncio belo e inquietante.

- Zdravo, foto?

Correspondo ao cumprimento da criança que se faz acompanhar de um pequeno rafeiro de olhar meigo e aguardo que os seis se organizem, abraçados, indiferentes a vitórias e derrotas, o cão assente nas patas traseiras, logo na primeira fila, a bola amarela de borracha pousada nos joelhos do mais novo, um rosto delicado emoldurado por fartos caracóis que lhe caem até aos ombros, tendo como fundo uma austera porta de madeira pintada de verde, perfeitamente enquadrada com a torre sineira que se recorta no azul do céu.

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