Enquanto parte da população vê o futuro como coisa para pensar amanhã e os viajantes chegam a conta-gotas ao Príncipe, em pequenos aviões a pequenos hotéis, há as outras obras que estão a mudar o Príncipe aos poucos, sempre com o dedo de Shuttleworth e sua equipa maioritariamente portuguesa no terreno. Do cargueiro que vai facilitar os transportes de mercadorias à extensão (pela Mota-Engil) da pista do aeroporto em 550 metros para poder passar a receber voos com máximo de 60 passageiros (ao invés das 18 pessoas que podem chegar ou voltar no único voo diário), que somam mais uns 20 milhões à conta do “homem da lua” no país.
Um número limitado de passageiros futuros, ainda assim, porque “esta ilha não tem estrutura para estarem aqui mil ou 1200 pessoas” de fora de uma só vez, frisa Fernando Barros, português que nasceu e viveu até aos 14 anos em São Tomé e que voltou há cerca de dois anos para trabalhar com a HBD. Contabiliza: com os novos projectos que deverão estar prontos nos próximos dois anos, vai “quadriplicar a capacidade da oferta” só da HBD na ilha, fora os restantes operadores (poucos, mas existentes e também activos na criação de uma oferta confortável). O objectivo é que “este projecto seja um case study, provar que é possível num ambiente como este intervir de uma forma equilibrada a 20, 25, 30 anos e que a ilha pode ser um projecto sustentável — e que as pessoas vivam desta intervenção”, diz.
Ilha do paraíso
É possível estar nas areias do Bom Bom ou nas águas imperdíveis da praia Banana e simplesmente desligar do mundo? É. Mas também é possível que, daqui a um par de anos, nesta ilha que é reserva mundial da biosfera da UNESCO desde 2012, as coisas estejam diferentes e seja possível desligar noutras condições. Que haja mais viajantes nas povoações, que haja mais restaurantes e não apenas exemplares tímidos como o Beira-Mar ou a Rosita em Santo António, que se possa até alugar um carro. E que a imensa juventude do Príncipe cresça numa ilha um pouco diferente.
Menos paraíso perdido, mas mais ligada. Ganhos e perdas. A esperança e o objectivo, diz quem lá trabalha agora, é mudar sem estragar. Depois de uma refeição de feijão da terra com peixe, arroz e banana-pão frita, o arquitecto português Francisco Plácido, experiente na construção sustentável em países em vias de desenvolvimento e a trabalhar com a HBD, resume o espírito da coisa numa frase: “Para não se tornar um local como aqueles em que muitas outras ilhas foram transformadas.” Que se mantenha o Salão de Beleza Lagartixa ou a barbearia e estúdio de gravação do DJ Fantasma, a roupa a secar sobre os arbustos floridos, a pesca de barracuda e peixe voador. Que se continuem a ver caranguejos a correr na floresta e cães a dormir placidamente sob os bancos na missa de domingo — e que se cantem ainda os Parabéns ao paroquiano aniversariante no fim.
Que, no fundo, a mudança seja tão bem enquadrada quanto aquela que já está em curso via wifi: a recente Internet gratuita na praça principal da cidade “tem um impacto um pouco maior para as pessoas” do que os turistas ou os estrangeiros que têm chegado, diz-nos o colombiano padre Sérgio. Ao cair da noite, é ver pequenas colmeias de jovens com telemóveis e portáteis a saltar entre o Facebook e o mundo, sentados nos bancos do jardim com o brilho branco dos ecrãs a iluminar-lhes as caras concentradas. Não havendo produção de vestuário na ilha, há modas que chegam pelo “fardo”, as doações que depois vestem a ilha com camisolas do Benfica ou com calções de banho devidamente descaídos para deixar ver a marca dos boxers escrita nos elásticos.