Fugas - Viagens

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O Príncipe é na terra e no mar, mas o progresso vem da lua

Compotas de cajá-manga, maracujá e pimenta, óleo de coco extra virgem por extracção a frio, mel de cacau, geleia de cacau, farinha de banana, mel e pimenta preta ou esse sufixo que tudo faz parecer mais intenso: muesli tropical, pesto tropical, amêndoa tropical. Tudo para, num futuro próximo, servir nos restaurantes dos hotéis da HBD e depois talvez vender aos visitantes. “É mais uma forma de tornar o projecto turístico sustentável”, diz a italiana. Na roça com Francesca, a engenheira agro-industrial que sabe que se “a nível de produtividade nunca se vai poder competir em grandes volumes, então ficamo-nos na qualidade”. Retira dos frascos e saquinhos aquilo que juramos que seria um sucesso de vendas para estrangeiros e uma possibilidade de receitas para principianos. A ideia é que os que estão a trabalhar agora com Francesca se tornem formadores e assim por diante, “para que depois consigam investir no que a terra pode garantir”.

Descobrir

Rita Nunes, antropóloga, veio pela primeira vez em Agosto de 2011 fazer levantamento para a tese de mestrado sobre o Auto de Floripes. Agora trabalha para a HBD na recolha das histórias das gentes do Príncipe, primeiro na Roça Paciência, agora e sempre que pode, muitos dias da semana, para a Sundy. Regista-lhes as histórias de vida, as receitas, as mezinhas, as práticas, e sonha fazer um museu com a maquinaria e histórias desta Roça que pareceria uma pequena aldeia portuguesa, com as cavalariças kitsch acasteladas e a capelinha tipo ermida alentejana ao fundo do terreiro, não fossem as lúgubres senzalas, onde ainda hoje vivem cerca de 300 pessoas.

“Vem aí branco!”, diz, gozona, uma mulher à criança que segura à entrada da senzala, alegrada pela simpatia de quem lá vive. Depois de provarmos as açucrinhas e as aranhas no Cantinho da Amizade, delícias coloridas de coco e açúcar, Rita explica que aqui mora “uma versão da história” da ilha, das roças, do país e da era colonial. Quase só se fala crioulo, graças à imigração forçada de cabo-verdianos para o Príncipe, mas há sempre o português nas bocas daqueles a quem “continua a faltar acessos, educação, alimentação”, mas que não vivem com fome não só porque a terra é fértil, mas também porque a Sundy “é uma grande família”.

Parte de uma viagem a São Tomé e Príncipe é ouvir falar das roças, do seu estado de abandono ou da sua ocupação com projectos ligados ao turismo ou, por exemplo, ao chocolate, como fez o italiano Claudio Corallo no Terreiro Velho. Na Sundy, que tem um dos maiores terrenos de roças e que se debruça para a praia lá em baixo, ambos concessionados à HBD, há algo de diferente em comparação com outras roças, diz a antropóloga. A casa grande, onde foi provada a Teoria da Relatividade de Einstein com o eclipse de 29 de Maio de 1919, “é uma das poucas inteiras”. “Teve sempre senhoras a limpar, tem um guarda, o Presidente ficava lá.” Tudo porque “há uma carga em termos simbólicos na Sundy”, “para lá do valor atribuído materialmente”. A HBD reabilitou os balneários e as lavandarias da senzala, criou uma creche e Rita espera agora que a empresa dê luz verde à musealização e preservação da maquinaria da Sundy. Este é um lugar especial, pelas pessoas e jogos da bola que ocupam o terreiro, e que ganhará novo ar com as obras que a HBD também está a financiar de recuperação da casa, coordenadas pelo arquitecto português Duarte Pape, um dos autores de As Roças de São Tomé e Príncipe, lançado em 2013 com um alerta sobre a necessidade de conservar este edificado. É um fantasma do passado com vista para o Golfo da Guiné e molhos de revistas sobre o cacau ou café “português” da era de um império colapsado.

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