Mas afinal o que é a Buracona? Uma língua de água salgada encravada entre rochas vulcânicas, formando uma piscina natural. Foi preciso alguma ginástica para descer por entre as pedras, mas lá mergulhamos. Ouvimos o mar atrás das paredes negras, temos peixes e pequenos caranguejos por companhia, água amena onde, após leves braçadas, já não se vê o fundo. Onde não nos atrevemos a molhar é no odjo azul, uma gruta em forma de poço onde o sol do meio-dia entra para criar na água o reflexo de um pequeno olho de exuberantes tons de azul (fenómeno denegrido pela quantidade de lixo acumulado junto às paredes). No cimo de tudo, um bar de praia ao mais moderno estilo ocidental e está visto. Voltemos aos solavancos, agora em direcção à vila piscatória de Palmeira.
Assomamos ao minúsculo cais onde chegam os barcos de pesca e a primeira coisa que vemos é um tubarão-martelo, as entranhas de fora. Em movimentos rápidos e concentrados, os pescadores limpam o peixe, cortam e salgam a carne. A cabeça jaz esquecida junto às escadas e dali já só aproveitarão a queixada, que pouco depois um miúdo retira pacientemente — um souvenir que custará aos turistas entre cinco a dez euros numa loja. No Sal, o tubarão — martelo, branco, azul — pesca-se de Abril a Setembro e é depois cozinhado em filetes, rissóis ou pastéis, explicam-nos entre a azáfama. No entanto, preferimos vê-los a mergulhar nas ondas da Baía da Parda, apesar de ser preciso ter água quase pela cintura e algum golpe de vista para vislumbrar as barbatanas castanho-acinzentado dos tubarões-gata na espuma da ondulação. “Vê-se melhor na maré alta”, desculpa-se Wualter, 14 anos, guia turístico aos tubarões desde os sete, um boné dos “Sharks” (tubarões em inglês) que confessa usar estrategicamente “por causa dos turistas”.
A Baía da Parda, o único sítio da ilha onde se vêem tubarões tão perto da costa, fica a cerca de quatro quilómetros das salinas de Pedra de Lume, outra das principais atracções turísticas. Vale a pena percorrer uns metros extra e subir à boca deste antigo vulcão para uma ampla vista sobre a cratera: um gigante quadriculado de sal e água ligeiramente rosada, onde pouco depois teremos um banho entre o retemperador e o cómico. O corpo deixa de nos querer obedecer, governado pela elevada concentração de sal na água, e só se consegue boiar. À saída, uma fina camada de sal cobre-nos como uma segunda pele, o rosto salpicado parece ter esfoliante (visitar as salinas custa cinco euros, o duche de água doce que apaga esta sensação é outro euro). Hoje em dia, ainda existe exploração salineira em Pedra de Lume, mas a produção é residual comparativamente com o final do século XIX e início do século XX, então a actividade económica principal da ilha. O antigo teleférico que transportava o sal até ao porto e as carcaças de cargueiros desfeitas em ferrugem são memórias desse tempo, agora ao abandono.
Música para os ouvidos
Regressamos a Santa Maria, no sul da ilha, o centro turístico do Sal, onde se concentra a larga maioria de hotéis, lojas de artesanato, restaurantes e vida nocturna. Depois de um passeio no Neptunus — onde vimos o que resta de um cargueiro naufragado emoldurado por dezenas de peixes coloridos, entre sargos, trompetes, bicas e lampreias —, a verdade é que só nos apetece aterrar numa espreguiçadeira, deixar o corpo amassado pelas estradas de pedra retemperar-se horas a fio no oceano. É que, apesar de tudo, é este o cartão postal da ilha: praias de areia branca e sedosa (o areal de Santa Maria será provavelmente o melhor) e um mar morno, de um arco-íris verde e azul, tão cristalino que por vezes se vislumbra a sombra dos pequenos barcos na areia submersa.