Um prato solitário senta-se no centro da mesa, a toalha de plástico florida levemente molhada da humidade tenta esconder a rudeza da esplanada improvisada. Maria Lunguinha, na casa dos 60, boné do FBI, bata aos quadrados, senta-se num banco de madeira forrado a colchão e tapetes enquanto espera que as espetadas de porco e as pernas de frango acabem de assar. Espera ela e esperamos nós, que a primeira dose já foi, a seguir vem moreia frita.
Neste restaurante, que recebe o nome da proprietária, come-se sem pudor: à mão e apenas com cerveja como guarnição. Já é noite e, apesar de o vento nunca dar descanso, não sentimos frio nenhum neste canto perdido de Espargos, capital da ilha. Lá dentro, a televisão grita o novo programa de João Baião, levando-nos por momentos a Portugal. Será preciso um esforço muito maior para nos lembrarmos que estamos no Sal, até há bem pouco tempo e durante décadas a ilha mais turística de Cabo Verde (ultrapassada nos últimos anos pela vizinha Boa Vista). Não podíamos estar mais longe do luxo dos resorts de Santa Maria e, no entanto, não andámos 20 quilómetros.
Todos os anos, mais de 18 mil portugueses (entre 188 mil turistas) rumam à ilha do Sal para umas férias do melhor dolce far niente, versão morabeza cabo-verdiana. São dias de banhos de sol e água morna, praias de areia lisa e hotéis sobre a linha de costa onde tudo vem incluído, da comida à constante animação. Para muitos será o quanto baste para valer a pena as quatro horas de voo a partir de Lisboa, para outros seria o suficiente para riscar a ilha dos destinos futuros. Mas até o desértico Sal tem um lado menos turístico para descobrir, basta deixar o conforto do hotel e aventurar-se pelos vilarejos, correr os caminhos de terra batida e encontrar os cenários mais pitorescos ou simplesmente conhecer o viver das gentes locais. Se não for adepto do turismo (exclusivamente) balnear (claro que pode nunca ir à água, mas estaria a perder o principal ex-líbris da ilha), o Sal também é para si.
Comecemos no miradouro de Espargos. É paragem obrigatória de qualquer excursão, bem sabemos, mas se, tal como nós, chegar e partir nos voos da noite, é daqui que terá a melhor vista sobre este pedaço de Cabo Verde. No caminho desde Santa Maria, onde fica a grande maioria dos hotéis, já viemos a tirar as medidas à ilha: é pequena — em menos de 20 minutos galgámos dois terços numa recta de alcatrão (no total são 30 quilómetros de comprimento); magra — em várias zonas conseguimos vislumbrar mar de um lado e do outro e agora também (12 quilómetros de largura); e lisa — uma planície árida de parca vegetação, aqui e ali umas acácias deitadas sobre a estrada, vergadas aos ventos alíseos vindos do continente africano. Mas daqui de cima a panorâmica chega a ser desoladora, uma vastidão de um nada cor de terra, uma mão cheia de pequenos montes solitários (o maior tem pouco mais de 400 metros de altitude), casas que desaparecem mal acabam os limites da capital. Dizem que a paisagem é lunar, mas só nos lembramos das imagens recentes de Marte e dos filmes perdidos pelo faroeste.