A praia perde-se de vista, uma imensidão solitária, não fosse a nossa chegada. A praia é toda nossa, quilómetros e quilómetros de um areal puro, banhado por águas mornas que chegam em ondas musicais.
Calções de ganga, t-shirt amarela, sorriso estampado, guitarra na mão, Tibo Évora entra pelo mar adentro, dedilhando a banda sonora deste Atlântico africano. Os seus passos acompanham o vai-e-vem das ondas no esplendor dos mais de 18km da Praia de Santa Mónica, o areal onde chegaram os portugueses em 1480, e o seu canto crioulo cheiinho de um português caloroso faz-se de sodade, de evocações do mar, de viagem, de esperança. Há algo no seu olhar, na sua voz, que transporta os cruzamentos cabo-verdianos, das suas culturas e contrastes; há algo no seu porte que, nascido em França mas com origens cabo-verdianas e que recentemente decidiu regressar à terra das raízes, resume muito passado e muito futuro da Boa Vista, um quase deserto no meio do mar cercado de praias por todos os lados e cuja força magnética, entre o clima temperado ao logo de todo o ano e imagens de praias infinitas num cenário de areias finas, azuis e verdes irreais, atrai cada vez mais turistas.
Tibo vai musicando as nossas deambulações pela Boa Vista, uma viagem que será sempre musical - mesmo quando a banda sonora é vento, mar e vozes -, com passagem pelos resorts que são cidadelas tudo-incluído, pelas ruelas de vilarejos, pelas dunas imperiais que vão do deserto ao mar, pelos caminhos que vão da riqueza à pobreza, da terra batida ao alcatrão a reluzir de novo.
É um mergulho numa Boa Vista em efervescência, que o fado desta ilha - que terá visto nascer a morna e que também para as tartarugas é um berço - já está traçado: o turismo, como onda imparável. A razão que nos voa até aqui, a primeira ligação aérea internacional regular, o Lisboa – Boa Vista pela TAP, só vai ajudar à festa, contribuindo para o aumento contínuo dos turistas que chegam aos resorts existentes e aos vários projectos em andamento, ao mesmo tempo que poderá servir para motivar mais viajantes independentes a partir à descoberta desta a que o escritor cabo-verdiano Germano Almeida, aqui nascido, chamou de “ilha fantástica”.
Agarrem-me, senão eu mergulho
"Não precisam de levar calções ou fatos de banho que o programa não inclui entrar no mar". Ele há frases que são como um balde de água fria nos planos de uma pessoa. Particularmente esta, dita no abafo tropical da Boa Vista, um círculo bordeado por 55km de praias à medida dos sonhos de cada um. Por estes dias, a ilha das dunas (apodo acertado, que são imponentemente belas) aquece-se com um céu sarapintado de nuvens e de vez em quando uns raiozinhos de sol (que quando furam, furam e queimam, queimam).
Mas, na verdade, o mar, apesar da imagem sedutora, nem se apresenta muito convidativo; tem andado agitado, matreiro, espécie de jogo de cintura em versão funaná. Os avisos de "cuidado com o mar" repetem-se e está visto que a nossa guia-mestre, a simpática Wanda, não quer perder nenhum viajante mais atrevido para as garras do Atlântico. E não desarma: "hoje está perigoso". É que quando este mar não está claramente mansinho, e saímos da segurança das baías, há que ter mais cuidado com ele, que entre correntes e ondas que “puxam-puxam, é arisco.