E em Barcelona constrói-se a maior cidadela militar da Europa do tempo, para controlar os insurrectos catalães. Parte do bairro La Ribera é demolido — mais de mil residências, cerca de 20% de Barcelona, são arrasadas para dar lugar às instalações militares. É uma ínfima parte desse 20% da Barcelona do século XVIII que agora emerge no Mercado do Born Centro Cultural, descobertas que foram ruínas desse conjunto na altura em que o mercado estava a ser transformado em biblioteca. Já não houve biblioteca no mercado construído no século XIX depois da destruição da cidadela e que foi o mais importante da cidade até ao seu encerramento em 1977. Há um achado arqueológico, feito museu com entrada directa numa máquina do tempo: 1714 grita liberdade para 2014.
Barcelona aos pés
Há coisas que não mudam em Barcelona, está visto. E há coisas que mudam constantemente em Barcelona. Será a cidade mais cosmopolita de Espanha: é, certamente, a cidade mais visitada por turistas estrangeiros (8,4 milhões em 2012) e um paraíso para os expat do século XXI — as multinacionais que aqui têm instalações atraem um grande número de profissionais altamente qualificados de todo o mundo. São os guiris de Barcelona (e se guiri é um turista estrangeiro em Barcelona a esses juntam-se os que vivem por aqui) e há alturas em que o seu número supera o dos habitantes (1,6 milhões). Passaram mais de cem anos desde que o na altura novíssimo Parque da Cidadela recebeu a Exposição Universal de 1888. O mundo, então como agora, coube em Barcelona e entrava por porta triunfal: o Arco do Triunfo, de tijolo vermelho e decoração neo-mudéjar, construído para ser o acesso principal ao recinto. O arco continua a ser um dos locais mais icónicos da cidade, com uma longa alameda de palmeiras a conduzir os passeantes até ao parque, onde os relvados e o arvoredo proporcionam tardes de leituras, contemplação, piqueniques, de desporto, música (perroflautas em abundância) — e até visita ao Zoo e ao Parlamento da Catalunha. E voltou a assumir a função de anfitrião de todos os que buscam as rotas do Tricentenário.
Por estes dias, as bicicletas, skates, trotinetas que são o trânsito habitual da alameda pisam não só a pedra como a cidade — do início do século XVIII —, condensada num mapa gigante. É um local simbólico, perto da antiga fortaleza e a dois passos do Born Centro Cultural, e nele encontram-se as coordenadas não só da cidade do século XVIII e da sua evolução até hoje, como da do século XXI que está a recordar o passado — com informação de todas as actividades organizadas pelo Tricentenário BCN.
É quarta-feira do início de Agosto e a zona está enxameada de turistas. Mas são muitos mais os que se fixam no arco do que propriamente no mapa. Tão-pouco se parecem entender com outras propostas do Tricentenário BCN: os cubos gigantescos com fotos que fazem parte do projecto de instalações artísticas e arquitectónicas efémeras BCN RE.SET, que até 11 de Setembro propõem uma reflexão sobre “identidade, liberdade e democracia”; ou a pequena torre translúcida que, através de banda desenhada, devidamente contextualizada, descreve um dos episódios-chave do 11 de Setembro de 1714 e se insere no itinerário “La Batalla Final”, que recorda o dia através dos seus protagonistas em vários locais da cidade. Aqui no Arco do Triunfo, que corresponde ao antigo Baluarte del Portal Nou, é o sargento-maior Juan Sebastián Soro que seguimos; diante do Born Centro Cultural é Antonio de Villarroel, o comandante supremo das forças catalãs — e no Mercado de Santa Caterina, construído no local onde se ergueu um convento com o mesmo nome, tropeçamos em Pròsper van Verboom, enquanto buscávamos “as melhores pizzas de Barcelona”, segundo vários italianos aqui residentes, as da pizzaria Nap, numa noite que se haveria de revelar de tormenta estival. E foi preciso estarmos atentos ao Tricentenário BCN para percebermos que aquele grande retalho de tijoleira vermelha que forma uma pequena depressão no meio do cinzento dos passeios, ao lado da igreja de Santa Maria del Mar, não é mais um dos muitos exemplares de arte pública que povoam as ruas de Barcelona. O Fossar de les Moreres é, sim, uma homenagem aos mortos durante o cerco de Barcelona de 1714, que foram aqui enterrados, “descobertos” em 1989 e para sempre recordados a vermelho, como o sangue vertido.