Nos meses de Verão, as filas dão voltas nos passeios em frente à Casa Battló e à Casa Milá (La Pedrera), duas das obras de Gaudí, e que distam apenas umas centenas de metros no Passeig de Gracia, o grande boulevard ao estilo parisiense é o epicentro da explosão do modernismo catalão e é o símbolo da riqueza da cidade, o combustível que alimentou os devaneios arquitectónicos ao serviço dos caprichos dos seus habitantes mais abastados. Neste canto da direita do Eixample, não há muita gente a visitar o recinto modernista; talvez não seja esse o objectivo, uma vez que a previsão são 120 mil visitantes anuais, para não perturbar o dia-a-dia do local. Porque o hospital já não funciona aqui (foi construído um novo nos terrenos traseiros), mas uma série de organizações internacionais já começaram a instalar-se nos pavilhões recuperados. O projecto original previa a construção de 48, um número que foi reduzido para 27, dos quais apenas 16 são modernistas — o dinheiro foi-se mais depressa do que a ambição. Domènech i Montaner construiu 12 deles antes de morrer.
Quando o hospital medieval de Santa Creu (no Raval) se tornou notoriamente pequeno para as necessidades da cidade, a doação do banqueiro Pau Gil ajudou a começar as obras do novo. Em 1902 arrancaram os trabalhos, numa zona do Eixample onde ainda não existia nada (fotografias dessa época mostram apenas a Sagrada Família a ser construída — ontem como hoje rodeada de andaimes, portanto) que só seriam concluídos em 1930; em 2009 abriu o novo nos terrenos que não foram utilizados no projecto original. Ao longo das quase oito décadas de funcionamento, Santa Creu i Pau (recebeu este nome como homenagem ao benemérito) sofreu muitas transformações que descaracterizaram o projecto original e os seus valores funcionais e medicinais — entramos num pavilhão-enfermaria ainda não recuperado, o São Rafael, para percebermos que o pé direito imenso que vemos e era o original esteve durante décadas dividido, para ganhar espaço; e na entrada, pelo “hall do hipostilo” (grossas colunas de tijolo vermelho e azulejos pretos e verdes como pequenas rotundas a segurar o tecto abobadado coberto de azulejos brancos), sabemos que o que era originalmente parqueamento das ambulâncias acabou a funcionar como as urgências do hospital.
Seguimos pelo túnel subterrâneo — um quilómetro deles liga todos os pavilhões — entre os fantasmas (projecções nas paredes de azulejos brancos recordam o quotidiano do hospital) para sair no sol do jardim. O pavilhão operatório é o edifício central, dos lados alinham-se, como espelhos, os restantes pavilhões, cada qual sob a tutela de santos e virgens: de um lado seriam internados os homens, do outro, as mulheres. Seriam porque a falta de dinheiro levou a uma reformulação imediata por especialidades médicas: o andar -1, ao nível dos jardins laterais, era para as consultas externas, o rés-do-chão, ao nível da avenida-pátio, para internamentos. Todos os pavilhões possuem estrutura idêntica: no Sant Rafael (de Rafael Rabell, que pagou a sua construção), vazio à espera de obras, percebemos um pouco da organização, ajudados pela foto que na parede do fundo retrata o pavilhão em 1929 — 28 camas, 14 de cada lado, radiadores ao centro, azulejos verdes, branco e rosa (no tecto presos com fita cola para não caírem); uma sala circular à frente, inundada de luz natural, que era espaço recreacional; casas de banho do outro lado, azulejos brancos e azuis, em ondas.