Fugas - Viagens

  • Barcelona com vista Gaudí
    Barcelona com vista Gaudí Rui Gaudêncio
  • O Arco do Triunfo
    O Arco do Triunfo Rui Gaudêncio
  • Gustau Nacarino/Reuters
  • O Hospital de Sant Pau, o maior recinto modernista do mundo
    O Hospital de Sant Pau, o maior recinto modernista do mundo Robert Ramos/Fundación Privada Hospital de Sant Pau
  • Os sinais modernistas de Barcelona são um dos seus maiores cartões de visita
    Os sinais modernistas de Barcelona são um dos seus maiores cartões de visita Adriano Miranda
  • Agora há um grandee mural-beijo para celebrar a liberdade. E destinado a muitas fotos dos turistas
    Agora há um grandee mural-beijo para celebrar a liberdade. E destinado a muitas fotos dos turistas DR
  • Por mais voltas que se dêem, as Ramblas serão sempre passagem obrigatória na cidade
    Por mais voltas que se dêem, as Ramblas serão sempre passagem obrigatória na cidade Rui Gaudêncio
  • Paseig de Gràcia
    Paseig de Gràcia Rui Gaudêncio
  • Uma das paragens obrigatórias dos turistas: o mui concorrido mercado La Boquería
    Uma das paragens obrigatórias dos turistas: o mui concorrido mercado La Boquería Rui Gaudêncio
  • O Born (à esquerda) tornouse um dos bairros da moda há poucos anos. O mercado renovado vai ser um grande centro cultural e de animação
    O Born (à esquerda) tornouse um dos bairros da moda há poucos anos. O mercado renovado vai ser um grande centro cultural e de animação Rui Gaudêncio
  • A bandeira catalã impõe-se por todo o lado
    A bandeira catalã impõe-se por todo o lado Rui Gaudêncio

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Em Barcelona, a liberdade anda nas bocas do mundo

Não se pode dizer que Barcelona fervilhe com as celebrações do Tricentenário nem com as pretensões independentistas. Já vimos, noutros momentos, centenas de bandeiras catalãs em janelas e varandas por toda a Barcelona — por estes dias, esses ímpetos parecem estar mais contidos, com uma ou outra espreitando nas fachadas do centro da cidade, e com algumas mais nos bairros mais tradicionais, como a Gracia. O Tricentenário BCN, iniciativa cidadã com apoio do governo para assinalar a data, esse, instalou-se nas ruas, em alguns locais mais ou menos icónicos da cidade, com instalações temporárias por artistas internacionais convidados a reflectirem sobre o seu significado; e foi-se processando ao longo do último ano — as celebrações começaram em 2013 — em colóquios, concertos e até um show cooking de Ferran Adrià. O encerramento será a 24 de Setembro, coincidindo com o final das Festas de la Mercè, a maior festa da cidade, mas a “Diada”, um ano depois da abertura, será um dos pontos altos — o Dia da Catalunha, assinalado desde 1980, quando foi reinstaurado do parlamento catalão, este ano é também o aniversário redondo. O Tricentenário. O 11 de Setembro catalão.

Voltamos ao Born. Voltamos muitas vezes ao Born. No Mamainé, esquina com o Passeig del Born, os cocktails sucedem-se calmamente na esplanada. Dizem que têm os melhores de Barcelona, em especial os mojitos. Gostos não se discutem — é, pelo menos, um dos mais cubanos bares da cidade e é o nome que o revela: “Mama Inés”, pelo pianista e cantor Bola de Nieve, transforma-se num redondo “Mamainé” pelo seu sotaque cubano. Alguns edifícios antes, na direcção da igreja de Santa Maria del Mar, o número 18 do passeio assinala a fronteira entre o Born pré-1714 e o Born pós-1714; alguns edifícios depois, o Mercado do Born guarda o Born pré-1714 que o Born pós-1714 enterrou. Alguns dizem que é Barcelona, e não apenas um bairro (na verdade Ribera-Born), que aqui se reencontra com a sua história. Alguns vêm aqui a síntese de uma Catalunha que continua a querer “viver livre” (viure lliure), o mote para este ano de tricentenário, herdeiro do lema dos lutadores de 1714 “viveremos livres ou morreremos” (viurem lliures o morirem).

No século XVII e início do século XVIII, o Passeig del Born não era um passeio, era uma praça. Uma espécie de plaza mayor barcelonesa, defende o historiador Albert Garcia Espuche no livro La ciudad del Born. Economía y vida cotidiana en Barcelona (Siglos XIV a XVIII). Aqui cruzava-se toda a cidade, ou não fosse este o seu centro mais activo com dinâmicas comerciais, industriais e portuárias pujantes. Até que chega a Guerra da Sucessão de Espanha. A Catalunha, depois de apoiar o rei Bourbon, herdeiro designado do monarca anterior, vê as suas liberdades e autonomias serem restringidas e toma partido do pretendente austríaco que chega a estabelecer a sua corte em Barcelona e garante o respeito pelas liberdades catalãs. Numa guerra de dimensões continentais que pôs em confronto modelos e conceitos políticos distintos, quando as grandes potências chegam a acordo a Catalunha é abandonada à sua sorte: depois de um sítio que durou um ano, a 11 de Setembro de 1714, Barcelona capitula. Fica à mercê de Filipe V, o primeiro da dinastia Bourbon em Espanha que, como bom neto do seu avô, Luís XIV, o rei-sol francês, é absolutista convicto e está determinado a não ter complacência com os catalães. É o final das Constituições e instituições catalãs, direitos seculares: a Catalunha perde autonomia económica, judicial, fiscal, monetária, aduaneira e legislativa; o catalão deixa de ser língua oficial; todas as universidades são encerradas.

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