Cá fora, o horário diz que aos sábados a loja encerra às 18h, mas são 19h30 e as portas ainda estão abertas, enquanto os donos bebem cerveja, descontraidamente, no interior. Um pouco mais desta irreverência espalhada pela cidade deixaria Lukas feliz.
Memórias de infância
Maria Gürtler espera por nós junto à saída do metro, para que possamos apanhar um eléctrico em direcção ao parque Wuhlheide. Vamos para a antiga Berlim Leste, onde ela cresceu, sabendo que existira um Muro, mas desconhecendo que ele impedia, de facto, a passagem.
“Quero levar-vos ao FEZ [Freizeit und Erholungs-Zentrum, Centro para Crianças, Jovens e Famílias]. Era para aqui que os jovens da RDA [República Democrática Alemã] iam para obter alguma cultura. Fica num grande parque e no interior do edifício existem várias actividades. Eu adorava-o quando era criança”, diz.
Aos 25 anos, Maria tem um ar sonhador e, provavelmente, um pouco ensonado. Esteve a estudar fora de Berlim, em Dresden, e agora trabalha na zona Oeste da cidade, pelo que o parque da sua infância, que tanto nos quer mostrar, parece uma recordação algo vaga. Engana-se na paragem do eléctrico. Ri-se, pede desculpa, e, mesmo quando saímos, de novo, na paragem que lhe indicaram, pergunta a alguns transeuntes se é mesmo por ali que se acede ao FEZ.
Percebemos que entramos no Wuhlheide pela porta mais longínqua do FEZ ao fim de quase uma hora a caminhar pelos terrenos do parque desenvolvido entre 1919 e 1932. Passam por nós várias pessoas a correr, pais empurram carrinhos-de-bebé, enquanto Maria vai contando que, naqueles terrenos há uma mini linha de comboio, que ainda leva os mais pequenos a percorrer o parque, uma piscina, um lago e uma área de concertos. “O meu primeiro concerto foi aqui. Vim ver o Robbie Williams. Eu tinha 12 anos e implorei à minha mãe para vir”, diz, com o seu riso cristalino.
Maria, que trabalha na área de marketing e leva para casa, pelo primeiro emprego, cerca de 1600 euros, ainda não decidiu se quer perder dois anos de trabalho para investir num mestrado. Ter um bom salário é importante, diz. “A minha mãe ganha 950 euros e ainda recebe apoio do Estado. Na verdade, se ela não trabalhasse, receberia de apoio o mesmo que leva agora para casa, na totalidade, ao fim do mês, mas é assim que as pessoas do Leste são. Fazem qualquer coisa só para ter emprego”, diz.
E o Muro? “Eu sabia que havia um Muro, mas até aos 11 anos não percebia que dividia a cidade, que não era permitido passar”, diz. Ao contrário de Lukas, Maria diz que a questão do Muro é amiúde discutida em família. “Falamos sobre isso em casa, porque nos afectou. Muita gente ficou desempregada e o meu pai foi uma delas”, diz.
Além disso, há as “histórias” que fazem parte do património familiar. Como a da avó que, há cerca de 30 anos, queria ir ao aniversário de uma grande amiga, em Palma de Maiorca, Espanha. “A minha avó pediu um passaporte, dizendo que queria ir a Düsseldorf. Conseguiu-o e meteu-se no avião, sozinha, pela primeira vez na vida. Ela pensou em ficar lá, era a sua oportunidade, mas tinha cá a família e acabou por voltar”, conta a jovem de cabelos louros e olhos cor de amêndoa clara, enquanto percorremos o caminho entre as árvores, em direcção ao FEZ.