E é da muralha que temos a primeira visão panorâmica de Carmona, uma cidade que até não está mal servida de miradouros: a partir dela, para ela. Aqui no alcázar da Porta de Sevilha (aos pés da Torre do Ouro) vemo-los todos, nos recortes deste planalto que parecem promontórios sobre um mar de searas — ou girassóis, um dos produtos mais emblemáticos da região que faz a sua fama entre japoneses — incluindo o Alcázar do Rei D. Pedro, este, sim, o ponto mais alto da cidade.
Quando Carmona era Carmo, um templo era o que se erguia sobre esta porta — visível à distância na Via Augusta que sob nós atravessava Carmo e seguia pela Porta de Córdova. Nós deixamos a porta para trás mas não largamos a Via Augusta, agora como há dois mil anos a estruturar o centro de Carmona. O entramado é praticamente o mesmo da cidade medieva — e se escavarmos está a romana, dizem-nos. Não é difícil acreditar. Uma fuga à Via Augusta, feita rua pedonal, mergulha-nos em ruelas quase impossivelmente estreitas, com as ocasionais escadarias, onde o sol não entra. Estamos longe dos palácios, aqui fala-se de uma janela para a que está em frente — é um atalho que é um caminho turístico pelas entranhas andaluzas.
A praça de San Fernando (ou “praça de cima”), eminentemente quinhentista, parece dividir informalmente o centro histórico entre a cidade baixa e a alta. Na parte alta concentram-se igrejas, conventos, palácios mudéjares, renascentistas e barrocos. Como aqui nada se perde, tudo se transforma, o antigo claustro de um convento é o mercado; e o edifício do ayuntaminento, antiga propriedade dos jesuítas, guarda um dos mosaicos das antigas termas. Duas freiras deixam-se fotografar na rua, mesmo à saída da igreja de Santa Maria de la Asunción, que já foi a mesquita e acolhe uma coluna visigótica. Esta é a principal igreja de Carmona, mas tem a grandiosidade de uma catedral — os historiadores defendem que esta terá sido um “estudo” para a catedral de Sevilha.
Osuna
E quem esperaria encontrar Dorne no meio da Andaluzia? Nós não, porque andávamos distraídos, mas rapidamente temos um curso rápido que nos ajuda a saber que “partilhámos” pequeno-almoço com Jorah Mormont ainda que esteja trajado como Iain Glen — profissão: actor. Outubro de 2014 foi um mês atípico em Osuna e nós chegámos dias antes de o furacão atingir a cidade. A Guerra dos Tronos foi o seu nome e este é um furacão que se espera benévolo — já se preparam novos caminhos turísticos à boleia da série que assentou a produção aqui durante duas semanas para recriar o reino que faz a sua primeira aparição na série da HBO. É um reino diferente de todos os outros do continente imaginado por George R. R. Martin: possui o seu único deserto, população esparsa e hábitos e costumes distintos; só em Dorne crescem citrinos e especiarias — e o seu vinho é o mais valioso.
Assenta bem à Andaluzia esta descrição, mas de Osuna não se verá muito na televisão — as filmagens concentraram-se na praça de touros. Certo é que a cidade não se reverá no ecrã como se reviu em Callas, que Franco Zefirelli aqui filmou em 2001. Nesse filme, sim, Osuna é palco de uma Maria Callas feita Carmen, ambas encarnadas por Fanny Ardant. A rua de San Pedro, impenitentemente aristocrática e altiva, é o palco perfeito para a orgulhosa cigana de Bizet. Dizem-nos que a UNESCO a considerou a segunda mais bela rua da Europa, uma sucessão à beira do delírio de fachadas barrocas que são a cara de imponentes igrejas e, sobretudo, palácios numa mostra única de arquitectura civil dos séculos XVII e XVIII.