Fugas - Viagens

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A Andaluzia nas entrelinhas, a paixão à flor da pele

Porque se Lucena brilhou enquanto enclave judaico, é também conhecida pela “cidade das três culturas” — acrescentando-se a muçulmana e cristã. No Castelo de Moral, bem no centro da zona histórica, vemos a sucessão cultural que enformou Lucena. Não só porque o próprio castelo foi um palco privilegiado da história — foi construído durante o apogeu judaico embora o seu acontecimento mais marcante foi ter sido o cárcel do último rei de Granada, Boabdil, el Chico — mas porque agora é o Museu Arqueológico e Etnológico de Lucena. E neste concentrado de história uma das primeiras paragens da visita é numa “caverna”, a recriação da Cueva del Ángel, nos arredores da cidade, onde se encontraram vestígios dos primeiros europeus pré-neandertais.

A nossa última paragem lucentina fica fora da cidade e bem no coração geográfico da Andaluzia. Subimos entre olivais por estrada sinuosa bem condizente com o destino, o cimo da serra de Aras, para visitar o Santuário de Araceli. Daqui avistam-se cinco províncias, Córdoba, onde estamos, Sevilha, Málaga, Granada e Jaén — Camilo José Cela considerou-a “uma das mais belas paisagens espanholas”; o cineasta Pedro Almodóvar filmou aqui cenas do filme Fala com ela, acompanhando a romaria em que a virgem é carregada em ombros até à cidade e no regresso a “casa”.

Baena

Se “todo o Mediterrâneo — as esculturas, as palmeiras, as contas douradas, os heróis barbudos, o vinho, as ideias, os barcos, a luz da lua, as górgonas aladas, os homens de bronze, os filósofos —, todo, parece surgir do sabor amargo e intenso das azeitonas”, como escreveu Lawrence Durrell, quase todo o Mediterrâneo se pode encontrar em Baena. O que Baena não teve naturalmente outras culturas trouxeram e só assim se explica que o leão seja um dos símbolos máximos da cidade andaluza: eles nunca por aqui se passearam, mas fenícios e gregos trataram de instilar o animal no imaginário dos povos iberos que aqui viveram. O que Baena tem de sobra são as azeitonas, esse tal fio condutor das culturas mediterrânicas, cujo azeite, aqui, é um brinde à história.

Mesmo da história de uma família, como a Nuñez Prado, sete gerações a produzir o “ouro líquido”, com um orgulho óbvio. Francisco, Don Paco, é o anfitrião na almazara familiar, a Casa de la Granja, também ela um tributo à história local — “foi comprada pela minha família aos duques de Baena”, em 1795. Desta data resta uma “adega”, grandes recipientes bojudos brancos de cerâmica com tampo de madeira, onde Francisco, que se voltou para a tradição familiar quando decidiu mudar de vida (era diplomata de profissão), nunca viu azeite. Tudo isto contrasta com o armazém actual, “sobredimensionado” (capacidade para 1,250 milhões de litros de azeite), com um ar futurista e completamente asséptico. Inesperado em território que preserva o que pode da rusticidade agrícola tradicional da Andaluzia — até à mesa, farta.

É à mesa de Don Paco que sabemos que a estrada que liga Córdova a Granada tem exactamente o mesmo traçado que os árabes lhe desenharam há muitos séculos. O centro de Baena também foi delimitado pelos árabes — o seu coração é o bairro da Almedina, apropriadamente situado num alto, emaranhado de ruas, com igrejas, conventos e solares que confluem na praça Palácio, com um castelo cujos últimos restauros não foram bem sucedidos: a pedra nova, branca, transforma-o quase numa caricatura.

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