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A Andaluzia nas entrelinhas, a paixão à flor da pele

Não deixamos Cabra sem visitar os Museus da Fundação Aguilar y Eslava, instalado num edifício seiscentista onde desde sempre funcionou um colégio que convive desde há poucos anos com um Museu de História Natural (de vertente claramente pedagógica) e, mais recentemente, com o Museu da Paixão. É um museu com o seu quê de etnográfico — mas não é a Andaluzia que aqui se exibe: o que vemos é a primeira Semana Santa, que é como quem diz, reconstituem-se os caminhos originais da Paixão, ancorando-se em dados históricos, arqueológicos, científicos e artísticos — “e religiosos, quando necessário”. Assim, inesperadamente, uma cave andaluza, refúgio durante a Guerra Civil, abre um túnel directo para a Palestina, com uma réplica do Sudário de Oviedo, para tudo terminar no Santo Sepulcro.

Lucena

Chegamos a Lucena como quem chega a Eliossana, em busca da história dos judeus sefarditas, e não saímos desiludidos — afinal, a cidade guarda a necrópole judia mais antiga de Espanha. A descoberta, em 2006, foi um acaso do progresso: construía-se uma nova via em torno da cidade quando os trabalhadores se depararam com o cemitério: 346 campas e 117 restos humanos dos séculos X e XI. Em 2011, foram novamente sepultados seguindo todos os rituais tradicionais da comunidade sefardita; e em 2013 o local foi aberto ao público. Falta-lhe o recolhimento esperado num cemitério — há uma auto-estrada para lá do gradeamento — mas não lhe falta contextualização e explicação do que vemos desde o terraço de entrada, cheio de painéis sobre os rituais funerários e a tipologia de tumbas, que surgem no declive, cada uma bem demarcada com remate de metal.

Não foi, contudo, necessário encontrar a necrópole para se ter ideia da importância da herança judia em Lucena. Não se sabe quando chegaram os judeus — há quem aponte a época de Nabucodonosor, depois da sua conquista de Jerusalém, e um motivo mítico: acreditavam que a serra de Aras era Ararat, onde a arca de Noé terá pousado depois do dilúvio (o sítio arqueológico La Morana, a poucos quilómetros, conserva a cripta do “túmulo” de Noé). Sabe-se que Eliossana, “Deus nos salve” em hebraico, foi conhecida como a “Pérola de Sefarad” pela sua grande comunidade judaica — entre os século IX e XII constituíam os seus únicos habitantes, tendo conseguido um estatuto à parte dentro do emirato, depois califato, de Córdoba. Conhecida por “a cidade dos poetas”, aqui se fundou a escola talmúdica mais importante de Espanha mas o declínio chegou com a conquista almóada e a consequente fuga de muitos judeus.

Da antiga judiaria restam os limites que correspondiam às antigas muralhas da cidade e o bairro medieval de Santiago, contudo, um pouco por todo o lado a herança judaica intromete-se. Seja no palácio barroco dos condes de Santa Ana, uma vez que a família teria origens judias; seja na Igreja de San Mateo, que, apesar de ser considerada a “catedral da Subbética” e ser um exemplo canónico dos estilos gótico-mudéjar e renascentista, foi construída sobre a antiga sinagoga (posteriormente, mesquita).

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