Seja como for, não incomodam enquanto passeamos – e todos os caminhos parecem ir dar à Plaza Mayor, inclinada e irregular, com jardim central arrumado em porções relvadas guardadas por gradeamentos baixos e palmeiras nos cantos, e fachadas que parecem cenários brilhantes. Tanto é assim que lá passamos de amiúde. De uma vez conseguimos espreitar a igreja da Santíssima Trindade, quando escutamos os cânticos do serviço religioso, tempo apenas para distinguir um altar neo-gótico; da segunda vez ficamos à porta, com Fulgencio, que faz artesanato de palha, por companhia. “Já está fechada, até às 10h de amanhã. É pena que não a vejam, é uma das igrejas mais bonitas da América latina”, garante. Não é que tenha viajado muito, mas já foi “a Havana, a Matanzas”, e não tem dúvidas de que Trinidad “é a melhor cidade para se viver”. “É bonita, histórica e tranquila. A vista daqui não tem preço” – e lança o olhar sobre esta tarde abafada.
Sol para um lado, nuvens pousadas na serra do Escambray. Subimos às alturas para mirar a paisagem e a quadrícula insubmissa de Trinidad até à praia de Ancón – não muito longe o palácio Cantero oferece vista semelhante (mais o bónus de ser o museu municipal que preserva irrepreensivelmente o fausto da residência original), mas há uma certa simbologia em observá-la do convento São Francisco feito então Museu Nacional da Luta Contra os Bandidos, sendo que os “bandidos” são os contra-revolucionários que entre 1960 e 1965 fizeram a guerrilha contra o governo dos “barbudos” de Fidel na serra de Escambray, que já havia sido território guerrilheiro na luta que depôs Fulgêncio Baptista.
É o eterno ciclo da história a exibir-se em Trinidad. O mesmo que converteu a Plaza Mayor em museu vivo recuperando as mansões dos antigos donos do açúcar, transformando-as mesmo em espaços expositivos, onde se mantém a opulência de outros tempos na arquitectura, mobiliário e decoração – veja-se o Museu de Arquitectura e a Casa Brunet. O mesmo que, por exemplo, transformou o antigo Carcel Real em restaurante, onde a sala é muitas vezes o pátio central, e um velho teatro em ruínas há várias décadas em Casa da Cerveja, um bar com certeza, todo ao ar livre, entre paredes ocres interrompidas, colunas e arcos incompletos – especialidade: cerveja com mel e açúcar.
Mas esta não é a bebida-ícone de Trinidad, que até tem taberna com o mesmo nome, bem perto da recentemente aberta La Bodeguita del Medio – uma cópia da original habanera, aqui a brilhar de nova. Essa bebida – e taberna – é La Canchánchara, rum, mel e sumo de limão, originalmente servida quente aos revolucionários cubanos que no século XIX lutavam, aqui na região, pela independência, e que nos servem numa taça de barro com pedras de gelo.
E numa cidade tão hedonista, nenhuma visita pode passar ao lado da Casa de la Música, profanamente instalada mesmo ao lado da igreja da Santíssima Trindade – uma longa escadaria de pedra é a nave, o altar é a esplanada no cimo, a liturgia é salsa, son, cha cha cha. E a música, que aquece a partir das 22h, enche todo o centro histórico, competindo, é certo, com dezenas de outros locais, mais pequenos mas igualmente com sabor cubano. Excepção notável: o bar Yesterday, Beatles reloaded todas as noites, servidos por músicos locais.