Na chegada ao Pinhão sente-se o peso disso. Manuel (nome fictício) barra a saída da estação com uma boina quadriculada e a pergunta persistente: “Táxi? Táxi? Táxi?” No restaurante-residencial em frente, o senhor Zé usa a linguagem gestual sobre a barriga farta para perguntar quem precisa de dormida. “Querem quarto?”, pergunta a mulher, desde a cozinha, e o senhor Zé abana a cabeça desconsolado.
“Agora as pessoas apanham sobretudo o autocarro para Vila Real e dali é que partem para outros sítios”, conta-nos o taxista, a caminho da Pousada de Alijó. Por esse motivo, não fazia este serviço “há muito tempo”. Por outro lado, no Douro, “a linha cada vez é mais curta.” Chegou a ir até Madrid, nos anos de 1960, depois contraiu até Barca d’Alva e agora termina no Pocinho. “Daqui a bocado pára na Régua”, teme o taxista.
Como na Beira Baixa, também aqui os autocarros rareiam. Quem vem para estes montes escadeados utiliza sobretudo o automóvel. Mas também há “os turistas americanos”, que “vão a pé todos os dias até lá abaixo ao Pinhão” (são 16km de caminho), sublinha a funcionária de limpeza da pousada. É adepta do turismo pedestre. “Mais para cima destes terrenos, onde eram tudo lameiros, há muito por onde andar. Temos também o parque de lazer e as piscinas, lá em baixo, e o Miradouro de Santo António, de onde se tem a vista toda de Alijó.”
Mas num sábado curto como o de hoje a vida faz-se da igreja para o café, a ouvir os sons durienses. À porta do Apolo, assobia-se o Zumba na Caneca. Lá dentro, bebe-se Favaios pela manhã, não fosse este moscatel produzido a cerca de oito quilómetros. “Ó Paulo! Vê lá se não tropeças!”, brinca um homem de idade para lá das curvas com quem acaba de entrar no café com as calças mais curtas da freguesia. Na corrida para a estação, esperamos não tropeçar também.
Cidade-laboratório
Fica a faina do Douro por fazer, que esta viagem é caminho. Às 12h17 há um comboio rumo a Ermesinde, onde se faz a ponte com a linha de Guimarães. Como se não bastasse a ideia de Minho, chove ao longo do rio Ave. Dizem “sarrabulho” em voz alta e a cidade rebenta entre as verduras com a vida acelerada, sobretudo sendo ela Guimarães, terra de gente despachada, que come bucho e chama Pito do Machado ao arroz de cabidela (no restaurante Nicolino). Posto isto, se nos contarem que Afonso Henriques bateu na mãe, acreditamos.
Ondulam-se os quelhos do centro histórico, com aroma a vinho e enchidos, para encontrar uma das melhores pousadas de juventude do país. O ribeiro de Couros corre-lhe em frente, com uma área de tanques onde se lavavam e tratavam peles para a produção de couros do senhor Cidade, o mentor do negócio e antigo proprietário da casa onde funciona hoje a pousada. “Ligam para aqui a perguntar a morada e eu tenho quase sempre de repetir: ‘Não, não é na rua da Cidade; é do Cidade, que era o nome do senhor que aqui morava’”, relata Júlia, recepcionista fafense a trabalhar em Guimarães, até porque aqui “os bolos são muito bons”.
Os lençóis sabem bem, mas mesmo sendo esta a cidade-berço há muito mais para fazer do que dormir, como incentiva um panfleto no quarto. O castelo, as igrejas de São Pedro e da Nossa Senhora da Oliveira, o Paço dos Duques de Bragança, a Plataforma das Artes, o Museu Alberto Sampaio, a Praça da Oliveira e, lá no alto, a serra da Penha, de onde vem a água que nos colocam à mesa, são alguns exemplos.